- o carteiro -
e o Homem criou Deus... (I)
Vou fazer uma coisa para a qual não sei se estou preparada, mas penso que sim: escrever sobre o aparecimento da religião na sociedade ocidental, principalmente o Cristianismo.É assim a modos que um manual para que quem ler possa fazer bonito nas reuniões sociais.
Quando o Homem se deparou com fenómenos que não controlava como os tremores de terra, as tempestades ou os eclipses, teve de lhes atribuir uma origem não humana devido à sua magnitude e ausência de razão aparente. A base desta explicação era a superstição; acreditava-se na origem supra-humana dos fenómenos, não porque houvesse alguma crença em si, não porque existisse fé, mas superstição. Existia portanto o medo do castigo divino (divino no sentido de não humano), caso não se observasse um respeito deferente pelas entidades que produziam os fenómenos. Para se aproximar mais das entidades divinas, o Homem conferiu-lhes um lugar e uma existência terrena: podiam ser encontradas nas árvores, nos rios, nas estrelas, etc... Chama-se a isto animismo. mas a certa altura - e isto é muito importante - a ideia de que cada árvore, cada rio, cada estrela era animada por um espírito, deu lugar à ideia de que o conjunto de árvores, de rios e de estrelas era governado pelo deus da floresta, das águas, dos céus... Antes de começarmos a esboçar juízos acerca deste entendimento, temos de perceber como era o mundo sem ciência, sem agricultura, sem escrita. até aí os homens eram caçadores-recolectores e acreditavam em 5 tipos de seres sobrenaturais: 1) os seres inanimados; 2) os seres animados ou inanimados controlados por seres imaginários (exemplo: um vento era controlado por um duende amarelo que só aparecia em noites de chuva); 3) seres vivos habitados por poderes sobrenaturais; 4) espíritos dos mortos; 5) ser supremo (não se trata de um ser que estava acima dos outros seres, mas que de alguma forma era mais importante).
Como vimos, havia tantas tipologias de entidades sobrenaturais, que de facto estas existiam como parte integrante do dia-a-dia. A "religião" (entre aspas porque ainda não existia religião nesta altura), era a vida. Estava tão enraizada nas tarefas diárias que nem havia uma palavra para defini-la. Os seres sobrenaturais faziam de tal forma parte do dia-a-dia que o Homem tinha com eles uma relação muito próxima e esses deuses, esses seres sobrenaturais, tinham características humanas: zangavam-se, amavam, e cometiam erros como os humanos.
Os caçadores recolectores viviam em grupos fechados; não se falava em sociedade. nesse sentido, a ideia de bem/mal associado a um castigo divino também não existia. O que acontecia é que como os grupos eram muito pequenos, quando alguém cometia uma falta (roubar as bagas ao vizinho, por exemplo) era fácil saber quem era. Para manter a ordem social - e não pelo medo do castigo divino inicial - os homens faziam o bem. Mas não esperavam com isso alcançar a vida eterna. Queriam era ter paz! A partir do momento em que o Homem começa a praticar a pecuária e a agricultura e por consequência, se torna sedentário, as comunidades alargam-se e a preocupação com a vivência em sociedade diminui. Ou seja: agora, um homem está rodeado por mais pessoas, pessoas essas que desconhece. se desconhece, porque é que tem de ser simpático para estes estranhos? Vigora a lei do mais forte e a ética social é colocada de parte. Tanto num caso, como no outro (tanto no caso das sociedades de caçadores-recolectores como no caso das sociedades sedentárias e agrícolas), o Homem arranjou um intermediário humano, um especialista humano para lidar com o sobrenatural. Este intermediário representa um passo importante no aparecimento da religião enquanto prática organizada já que mistura crença, prática, autoridade e hierarquia. Se o intermediário tinha contacto com o além, ele tinha uma posição privilegiada; era por isso uma pessoa mais importante do que os outros e por consequência, forma uma espécie de relação entre religião e poder, os primeiros políticos são também xamãs: compreendem os deuses, tentam aplacar a sua ira com os seus conhecimentos que aplicam aos mortais com parcimónia, em vários campos da vida humana, incluindo a vida diária das trocas, das regras... Era evidente que uma sociedade que vivia pouco acima do limiar da sobrevivência era mais igualitária que uma sociedade capitalista, mas mesmo nesta altura as diferenças entre os bafejados e os outros fazia notar-se.
Com a invenção da agricultura, o carácter dos deuses altera-se.
Passamos então a chefaturas, em vez de sociedades de caçadores-recolectores. As chefaturas eram sociedades agrícolas, maiores que as sociedades de caçadores-recolectores, com milhares de pessoas e onde quem tinha a liderança era um chefe, sendo que este poderia ter vários sub-chefes. É aqui que a liderança política e religiosa se fundem. Ora vejamos: os deuses já não são a única força que pode castigar uma pessoa: os chefes, pelo poder político e religioso que têm, podem aplicar a sua força (ou a força das suas tropas). [atenção: a diferença entre uma chefatura e um Estado, é que o Estado pode aplicar legitimamente a força e só ele o pode fazer.] Nas chefaturas os castigos tanto eram aplicados pelo chefe, como pelos lesados que faziam justiça pelas próprias mãos. Ora isto levanta um problema: enquanto nas sociedades de caçadores recolectores o número de pessoas era pequeno e por isso, o fazer justiça pelas próprias mãos era controlável, nas chefaturas isso não acontece, já que nas chefaturas apoiar uma das partes poderia significar apoiar metade daquela sociedade e assim apoiar o caos. Nesta fase, o governo ainda não assumiu totalmente o controlo das pessoas e estas também não são controláveis. Cabe à religião manter os membros da sociedade na ordem. Nas chefaturas os deuses eram o garante do poder político, do poder social e económico. Eram eles - por intermédio de outros - quem ditavam as ordens que permitiam aos homens viver em comunhão.
para a próxima há mais
2 Comments:
Olá. Fartei-me de rir com esta edição da Faces. Também tem mt imaginação gráfica, passe o pleonasmo Obrigado. Parece-me que um assunto tão importante merece também um antes e depois.
J.
Caro(a) Anónimo(a):
Muito obrigada por gostar!
os "antes de depois" são talvez os posts mais difíceis de escrever. Pelo menos agora. Exigem horas e horas a ver imagens e a ler coisas e neste momento, tempo é uma coisa que não abunda na minha vida, infelizmente. Nem sempre os "antes e depois" são irónicos como o último que escrevi. Na maior parte das vezes são constatações e não têm nada de político ou de crítica social.
Farei mais "Faces", para dar largas à imaginação. Quanto ao grafismo, não inventei nada: basta ver as revistas "del corazón" e do social para perceber que o bom gosto é coisa que não abunda (as cores são sempre o vermelho, preto, branco e amarelo, os contrastes são grandes, há vários tipos de letra e tamanhos com efeitos - itálico, sublinhado - e as caixas têm sombreado).
Bem, vou para dentro. Até breve
b.
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