sábado, março 29, 2014

- ars longa, vita brevis -
hipócrates

antes e depois ou como "e depois foram tirar uma fotografia"

olá. aconteceu uma coisa na minha vida que a mudou e ainda estou a digerir essa mudança. não queria postar nada lamechas nem muito intimista e por isso decidi não postar durante uns tempos. mas às vezes, à noite, choro. 

estava na aula de fotografia quando me mostraram a segunda imagem. Vi um grupo de homens, alguns mais pequenos do que seria de esperar para a função que desempenhavam. com aqueles rostos de fome, baixos, com a farda puída, num tamanho acima, ninguém diria que era o pelotão de fuzilamento do imperador maximiliano que em 1867 naquele dia, provavelmente não fuzilou ninguém e foi até ao atelier posar. Digo que não matou ninguém naquele dia porque neste tempo posar para a fotografia era coisa para demorar um tempinho, já que as técnicas exigiam tempos de exposição muito longos e total imobilidade. Na realidade, e segundo o The Guardian, foi no próprio dia da execução do imperador que o pelotão se fez fotografar. Quase como se dissessem: "entre uma execução e outra poso". Mas têm um ar tão miserável com os chapéus ridículos a cingirem o queixo como numa papeira tardia, que nem sequer podemos censurá-los. Curioso é aqui o factor tempo. Estes homens executam o imperador e são fotografados em 1867. Em 1868 Manet ressuscita o imperador e renova estes homens para pintar o pelotão num tempo anterior ao fotografado; ou seja, para pintá-lo no momento da execução. Faz-me lembrar duas passagens do Câmara Clara do Roland Barthes (fica sempre bem a citação). No livro o autor mostra uma fotografia da mãe ainda criança e acompanha essa fotografia com "Esta criança é a minha mãe". Não utiliza "será", nem "foi". Assim como o Proust, Barthes usa a fotografia da mãe enquanto criança para desenvolver parte do livro. Também numa outra parte do livro Barthes escreve junto à fotografia de 1865 de um condenado à morte: "Este homem está morto e vai morrer". O que ele faz é colocar em confronto tempos diferentes porém não opostos, como quando falamos do ser e do nada, do mal e do belo. Não estamos a falar de coisas opostas, mas inclusivas. Como os anjos, as sereias... são coisas belas, mas monstros já que alteram a ordem antropomórfica. As crianças por exemplo adoram monstros, adoram o que fuja a essa ordem antropomórfica. Lembro o Calvin & Hobbes, baseado em Calvino e Thomas Hobbes que por sua vez escreveu o Leviatã. No Calvin & Hobbes um miúdo tem como amigo imaginário um tigre e juntos metamorfoseiam-se em monstros e outras personagens. Por outro lado o Leviatã de Thomas Hobbes é baseado num monstro bíblico que surge no Livro de Job. Aqui Deus e o Diabo fazem uma aposta: Deus diz que Job, um homem rico a quem não falta nada, é feliz porque é crente e temente a ele, Deus. O Diabo por seu lado diz que ele é crente porque é rico. Deus resolve testar Job e tira-lhe tudo. Como pode um deus que é bom tirar tudo a uma homem? Como pode um deus que é omnipotente provocar o mal de forma injustificada? Isto leva-nos até ao "Cândido" de Voltaire. Nele o Dr. Pangloss dizia que vivíamos no melhor dos mundos e com isso justificava todo o mal. Tornava o mal tolerável, equiparava-o ao belo; ou seja, colocava em confronto dois termos que não eram antagónicos. Como Barthes ou Manet colocam em confronto tempos diferentes. Vou para dentro, dormir.  











Pelotão de fuzilamento do Imperador Maximiliano no México
1867















Manet
Execution of Emperor Maximilian of Mexico
1868
Kunsthalle Mannheim