- ars longa, vita brevis -
hipócrates
antes ou depois. já sei que vocês me vão dizer: "ah, isso não tem nada a ver". mas tem. para quem vem aqui de vez em quando, ou só veio uma vez e não conhece nada de arte é natural que diga "isto é tão desinteressante". parece. mesmo hoje parece desinteressante. mas há que ver o contexto: estamos a sair do minimalismo (como quem diz, porque ainda há muita gente a trabalhar dentro do minimalismo); estamos a trabalhar com novos paradigmas. e dizem vocês "lá está ela com esta linguagem. pensa que nós somos tótós". Nos anos 60 e 70 os minimalistas colocaram uma hipótese (fria e quase hostil, mas necessária): e se a obra de arte fosse tudo menos expressão do interior do artista? como é que seria essa arte? e se em vez de se pensar a obra de arte quanto à sua recepção (quem vê, como vê, em que contexto), se pensasse a obra de arte quanto à sua produção? foi isso o que estes artistas da arte minimal fizeram. começaram a pensar mais a relação do observador com o espaço e da arte com o espaço. se olharmos para a obra de ellsworthy kelly vemos que é mais do que uma tela. é uma tela no chão e por isso portadora das implicações inerentes a um percurso diferente por parte do observador. é uma tela dupla, o que joga com o nosso conceito de tela. é uma tela que está no chão, o que nos desafia pois geralmente uma tela é uma coisa que está na parede pendurada com um prego. colocada no chão deixa de ser bidimensional para passar a ser tridimensional e por isso deixa de ser pintura para passar a ser escultura. é uma tela em vermelho e em azul, cores que são acentuadas pela presença da outra cor. um exemplo para as senhoras: se quiser que a sua boca fique destacada, com os dentes mais brancos e o interior mais encarnado, então experimente usar um baton transparente com reflexos azuis. para além disso, e esta é uma das características do minimalismo, é adoptada a repetição de uma estrutura. o donald judd, o dan flavin e até o robert morris faziam isso: repetiam estruturas em materiais simples como a madeira, o aço ou os espelhos e os vidros, o que permitia a transparência e a repetição de espaços cheios e vazios sem hierarquia. se a escultura é a arte do espaço, podemos dizer que esta escultura - se for escultura, não sei bem. algumas destas obras não são propriamente classificáveis - é também arte do tempo porque nos obriga a percorrê-la. relembro uma obra de robert morris: uma caixa de madeira acompanhada, em exposição, pela gravação sonora do seu processo de construção (serrar, lixar, martelar...). não é uma obra que se apresenta, é vista e depois cada um vai para sua casa. estas obras, até pela sua colocação no espaço - muitas vezes desafiando os limites desse espaço e aquilo que se entende por limites dentro de espaços de exposição - obrigam-nos a percorrê-las, a ouvi-las (no caso de Morris), a esperar para ver de outra perspectiva. pelo menos é o que eu acho. apesar de poderem dizer que não tem a ver, que o ellsworth kelly não tem nada a ver com o José Rodrigues eu insisto: tem. mesmo que o josé rodrigues não conhecesse o trabalho do ellsworth kelly, conheceria a relação de contrastes entre o azul e o vermelho. adeus, até à próxima, não façam asneiras .
Ellsworth Kelly
Blue, Red
1966
José Rodrigues
Medeia
TEC
2007
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