quinta-feira, setembro 20, 2012

- ars longa, vita brevis -
hipócrates


antes e depois ou como "o final das férias e a aproximação de mais um longo Inverno pode deixar as pessoas mesmo tristes com a vida, mais do que o Ronaldo com o Real. Pois é... pensar que me espera, que nos espera um longo Inverno, quase que já nem me dá vontade de escrever. devia ser proibido fazer qualquer actividade no Inverno, devíamos poder hibernar. quando o inverno chega penso sempre "o pior ainda está para vir". assim, quando o pior realmente chegar, eu estarei preparada para o pior e para pior que o pior. bem, isto tudo para dizer que esta cena de Carracci, com um cheirinho, não a chispe, mas a outono, deixou-me down, mas pelo menos dá o mote a mais um post. é uma cena que cheira a outono, porque é quando chega o frio que se mata o porco. o outono é também o tempo em que se prepara a despensa, como se nós fôssemos formigas e não pudéssemos sair quando está a chover. a cena de carracci é muito típica: retrata o ambiente de um "talho", assim como havia cenas de peixaria, de doces, de frutos ou de flores. talvez possamos incluí-la numa natureza morta, ou dizer que nele está contida uma natureza morta, ou ainda, talvez seja possível incluí-la no conjunto de cenas que retrata as atividades e profissões de uma determinada época.

Penso que Carracci faz neste quadro uma alusão às naturezas mortas e até faz passar uma mensagem moralizadora, já que a Igreja fazia menção, tanto quanto sabemos, aos perigos que a satisfação dos desejos carnais do Homem, poderia constituir. Fossem esses desejos de comida, bebida, sexo, poder ou bens materiais, a Igreja alertava os seus crentes para tal, ainda mais no século XVI, com as determinações saídas do Concílio de Trento que pediam, no geral, mais frugalidade e contenção, em vão. Temos que ver que, para corroborar esta opinião, temos a nosso favor o facto de os intervenientes na cena se encontrarem de frente para o observador. Se de facto estivessem só a desempenhar a sua função (cortar presuntos e desmanchar carneiros), estariam na sua vidinha, até de costas para a cena. Eles mostram-se como se estivessem num palco: um pendura uma peça de carne, e o outro mexe na faca. Note-se também que os dois intervenientes têm a bata completamente branca, sem pingo de sangue como seria de esperar. a sua pose tem também algo de nobre, já que este avanço do pé sobre o corpo é muito próprio de outras pinturas, como as de deuses. Aqui, e tal como foi dito, os talhantes estão ao serviço de uma cena, e o pintor parece com isto querer retratar não os seus atos, mas a nossa reação ante eles, enquanto observadores. Existe uma outra versão deste tema, com mais intervenientes, todos eles da família Carracci.
Quanto à segunda imagem deste post, refere-se a um trabalho de Philip Haas na Galeria Kimbell. Trata-se de um vídeo; ou melhor, de um conjunto de imagens projetadas em dois ecrãs virados um para o outro, imagens essas que mostram o mundo dos talhantes, o mundo do artista e o ponto de encontro entre os dois; ou seja, a pintura. Num dos ecrãs vemos as imagens relativas à pintura de Carracci. No outro ecrã podemos ver Carracci, interpretado pelo bailarino Ivan Putrov. Haas estabelece as relações entre o ofício de talhante e a atividade nos talhos, com a atividade do artista, com a pintura. Compara assim as ferramentas, os materiais e as trocas não só físicas, mas quase viscerais que se estabelecem entre os dois cenários. Por outro lado faz também contrastar a seriedade de Carracci com o humor muito popular dos seus modelos que assumem poses heróicas da Antiguidade, poses essas que não chegam para animar Carracci nem distraí-lo do seu trabalho. Vemos também, não só esta pintura como outras de Carracci, pelo menos a alusão a elas com a presença do macaco e da mulher que faz compras. Ainda que possam dizer "ah e tal, isso já se viu", a verdade verdadinha, é que não há quem não goste. Quando a obra foi apresentada, ganhou logo um prémio no festival de cinema de veneza. ah pois é. vou para dentro. até ao próximo post":
















Carracci
Butcher's Shop
1580s
Kimbell Art Museum















Philip Haas
The butcher's shop
2008
Kimbell Art Museum, Texas