quinta-feira, agosto 30, 2012

- o carteiro -

ora bem, mais um carteiro com coisas lindas. a prova que ninguém lê isto é que vou escrever uma frase fora do contexto e ninguém vai notar: "amanhã tenho de ir dar de comer à gata da vizinha". eis a minha mensagem subliminar sem sentido nenhum embora com toda a verdade.

segue-se, no percurso da vida de Cristo, e segundo os evangelhos sinópticos, a fuga para o Egipto. Esta passagem é muito "bonitinha" porque os diferentes artistas a retrataram como se os evangelhos de facto dessem todos esses pormenores que geralmente estão presentes nas representações: as palmeiras dobradas, a queda dos ídolos, a raíz da árvore, as fontes de água... O Evangelho de São Mateus fala da Fuga para o Egito em 2, 14-21: E ele levantou-se de noite, tomou o menino e sua mãe e partiu para o Egipto, permanecendo ali até à morte de Herodes. Assim se cumpriu o que o Senhor anunciou pelo profeta: Do Egipto chamei o meu filho. Então Herodes, ao ver que tinha sido enganado pelos magos, ficou muito irado e mandou matar todos os meninos de Belém e de todo o seu território, da idade de dois anos para baixo, conforme o tempo que, diligentemente, tinha inquirido dos magos. Cumpriu-se, então, o que o profeta Jeremias dissera: Ouviu-se uma voz em Ramá,uma lamentação e um grande pranto: É Raquel que chora os seus filhose não quer ser consolada, porque já não existem. Morto Herodes, o anjo do Senhor apareceu em sonhos a José, no Egipto, e disse-lhe: «Levanta-te, toma o menino e sua mãe e vai para a terra de Israel, porque morreram os que atentavam contra a vida do menino.» Levantando-se, ele tomou o menino e sua mãe e voltou para a terra de Israel." Pois é assim: nada de palmeiras, queda dos ídolos and so on... Isso é o que contam os textos apócrifos: dizem que o menino foi no colo da mãe enquanto José ia a pé (é para aprenderes e não bufares!); Jesus fez brotar das raiz das árvores água; as palmeiras inclinaram-se à passagem do casal, até aos pés de Maria; ao entrarem num templo as 365 estátuas de ídolos caíram. Outra fonte poderá ser Isaías que diz o seguinte: "Olhai! O Senhor, montado so­bre uma nuvem veloz, entra no Egipto: os ídolos do Egip­to tremem diante dele, e o coração dos egípcios aperta-se no seu peito." (Is 19, 1) Só por dizer que neste caso esta fonte teria sido uma prefiguração. O que é que isso interessa, perguntam vocês? Pois, a bem dizer nada, mas para esta história a Fuga para o Egito e a queda dos ídolos mostram que Jesus, fosse onde fosse o lugar, continuava a ser o Filho de Deus e aquele que vinha em nome do Pai para tirar o pecado do Mundo (ena, tão reverberativos que ela está). Pois este episódio do Novo Testamento está, no Speculum, juntamente com a o episódio em que os egípcios fazem uma imagem da Virgem e do Menino, aquele em que Moisés quebra a coroa do faraó e o sonho de Nabucodonosor
E aqui... TCHARAN!: as prefigurações, que são do Antigo Testamento mostram que um novo mundo iria revelar-se com a chegada de Cristo, mas, e embora todos, ou quase todos os episódios mostrem de facto uma cena do Novo Testamento acompanhada de três do Antigo que de alguma forma a anunciam, neste caso, a cena dos egípcios a fazerem uma estátua de Jesus e de Maria vem na Historia scholastica de Petrus Comestor! Continuando... Não tive acesso ao texto de Petrus Comestor nem a nenhuma teoria acerca desta pseudo prefiguração. Sei porém que no geral, as representações desta cena mostram os egípcios ajoelhados com as mãos juntas em oração e Maria usa uma coroa e um nimbo.

Sinceramente, não sei onde isto nos leva, já que não encontro uma relação mais profunda ou de antecipação de acontecimentos vindouros entre estas duas imagens, entre estes dois temas: ambos apresentam egípcios, estátuas e a Virgem e o Menino, mas de forma totalmente oposta. Bem, talvez seja essa a ideia. No entanto, a terceira imagem, aquela que se refere ao episódio em que Moisés retira e destrói a coroa do faraó já pode ser mais elucidativa. Como sabemos, Moisés foi salvo das águas e este episódio aproxima-se daquele em que Jesus, Maria e José fogem para o Egipto a fim de evitarem a morte do Menino no massacre dos inocentes perpetrado por ordem de Herodes. Mas vamos ao episódio em si. Flávio Josefo fala-nos do episódio em Antiguidades Judaicas (II, 9, 7). Não posso fazer a transcrição, mas sei que Moisés, recolhido das águas, acaba por fazer parte do dia-a-dia do faraó. Um dia, estando o menino à mesa junto do faraó, retirou-lhe a coroa da cabeça e atirou-a ao chão, partindo-a. O adivinho do faraó disse que segundo este ato e as suas previsões Moisés seria aquele que um dia iria retirar o poder ao faraó. Um dos seus conselheiros defendeu que o menino deveria ser morto, enquanto outro (diz-se que era o anjo Gabriel disfarçado), disse que se devia submeter a criança a um teste que poderia mostrar se aquele ato tinha sido intencional ou não. Optou-se por esta segunda opinião. Em cima da mesa foi colocada uma pedra preciosa e um pedaço de carvão em brasa. A criança escolheu o carvão e colocou-o na boca. Apesar de se ter queimado, safou-se! Safou-se e assim, alguns anos mais tarde foi ele quem liderou os israelitas em direção à libertação. (Estava a ler "As benevolentes" e li o seguinte: "O anjo abria a porta do meu gabinete e entrava, portador do carvão ardente que queima todos os pecados; mas em vez de tocar com ele os meus lábios, introduzia-mo inteiro na boca..." Amarrotem-me que eu fiquei passada!) Da mesma forma que Moisés destrói a coroa do faraó , Jesus destrói os ídolos à sua passagem.

Segue-se a quarta imagem referente ao episódio bíblico do sonho do rei Nabucodonosor
presente em Daniel. O rei teve um sonho e mandou chamar os seus magos e astrólogos para que estes lhe dissessem não só o qual era o sonho, como aquilo que este queria dizer. Ninguém conseguiu a não ser Daniel (2, 31-34): "Tu, ó rei, estavas vendo, e eis aqui uma grande estátua; esta estátua, que era imensa, cujo esplendor era excelente, e estava em pé diante de ti; e a sua aparência era terrível. A cabeça daquela estátua era de ouro fino; o seu peito e os seus braços de prata; o seu ventre e as suas coxas de cobre; As pernas de ferro; os seus pés em parte de ferro e em parte de barro. Estavas vendo isto, quando uma pedra foi cortada, sem auxílio de mão, a qual feriu a estátua nos pés de ferro e de barro, e os esmiuçou." O rei sonha com uma coluna no cimo da qual se encontra a imagem de um jovem soldado nu com a sua lança e escudo. A estátua é destruída por uma pedra que não havia sido atirada por nenhuma mão e que depois cobre toda a Terra. Segundo Daniel, cada uma das partes do corpo da estátua correspondiam a um reino (do ferro, do bronze...). A destruição da estátua através de uma pedra sem mão, é a prefiguração de Cristo que destrói os ídolos à sua passagem, enquanto a pedra em si, pedra que não é tocada representa a virgindade de Maria.

Sei que os exegetas fariam a ligação entre estes episódios de forma diferente e sei que na net há muitas opiniões e formas até mais completas de interpretar estas cenas, mas quem as quiser basta procurar. Para mim, embora não exista grande relação entre o primeiro, o terceiro e o quarto episódio, e o segundo, mas olhem, é a vida. adeusinho.