- o carteiro -
Van Gogh
Fifteen sunflowers in a vase
1888
National Gallery, Londres
para mim o ano muda mais tarde, muda perto de Fevereiro, quando se aproxima a transição de idade. nessa altura fico introspetiva, a pensar naquilo que sou e em quem gostaria de ter sido. desde sempre tive expectativas muito elevadas em relação a mim. queria o melhor, achava-me merecedora do melhor, mas também achava que as pessoas com poucas condições financeiras dificilmente iriam a algum lado. isto claro, em comparação com as minhas amigas que podiam ter roupa de marca. lembro-me de esperar na fila da cantina e odiar-me por estar lá. achava que se havia alguma forma de sobressair no mundo era através do meu trabalho. era das melhores alunas - por vezes a melhor - mas isso não parecia ser suficiente. isso nunca foi suficiente. desde cedo uma insatisfação muito grande se apoderou de mim. não se transformou em ressabiamento, mas apenas um desânimo, um fastio em tudo
este ano a introspeção chegou mais cedo, tudo porque no natal percebi que aquelas pessoas que deviam estar lá, aquelas pessoas que acreditaram em mim, no meu valor, deixaram de acreditar. eu por consequência, ou talvez por antecipação também deixei de acreditar. tinha tudo para ser genial, mas quem é genial porque gosta de ler ou escrever sobre arte ou dizer palermices (algumas com sentido)? quem é que é genial porque se manifesta? fala-se muito hoje em "lutar", mas que armas é que tenho num mundo que cada vez privilegia mais quem dá cara e as opiniões, mais do que o trabalho (conjunto de justificações aborrecidas, chatas..., meia dúzia de citações, uma ou outra referência filosófica)? Que motivações posso ter quando todos aqueles em quem confiava, a quem dei muito e de quem muito recebi, me deixam porque não estou na crista da onda, porque com esta idade não tenho casa nem emprego, detesto conduzir, não sei andar de bicicleta, nunca namorei, não gosto de sair à noite e não tenho grande talento para o convívio social? Pergunto-me muitas vezes porque voltei a estudar, o que me dá a História da Arte para além de satisfação pessoal. Para onde vou a estudar até ter idade para fazer filhos? e serei menos amiga ou menos interessante por causa disto? sinto que os desiludi, sinto que eles me desiludiram muito. sinto-me cansada, parece que é Inverno há uma série de anos.
3 Comments:
tem as armas todas
a arma da inteligência, a arma da palavra, a arma das cantigas
armas de destruição, e de contrução, em massa (ainda que com pouca massa)
inverno é não saber do inferno
e a beluga sabe
Beluga,
O que era o melhor ?
O que é o melhor?
O que é que gostaria de ter sido ou que sente que poderia ter sido e ainda não foi?
Ser curadora ?
Ser uma Guta?
Ser o quê ?
Duas soluções para os seus problemas:
1º aprenda a andar de bicicleta
2º compre uns óculos para ver ao pé.
3º Um forte abraço
There is nothing more truly artistic than to love people."
— Vincent van Gogh
Caro António e maria:hoje tive uma conversa absolutamente imprópria com o médico. o que ele me disse foi mais ou menos isto: viver é fingir. quer seja fingir que se é feliz, quer seja fingir que se é infeliz. porque a vida é uma coisa amorfa, só melhora, ou piora com a ilusão. quando percebi isto fiquei de rastos porque não queria fingir nem uma coisa nem outra. acho que a arte está em não prestar tanta atenção a isto, mas mesmo as coisas que têm de ser me maçam. ele também disse que uma pessoa tem estados de insatisfação porque compara: compara o presente com o passado ou o futuro. mas a verdade é que ninguém está bem no presente, porque o presente não tem definição, está em formação. e por fim disse-me uma coisa que me deixou um bocado preocupada porque não tenho idade para isso. disse que eu comparava sempre o presente com o passado, com o que foi, mas mesmo assim, eu ( e cada um de nós) escolhia o momento de comparação. e que para comparar, devia fazê-lo com o futuro em que tudo ainda está em potência.
a minha dúvida é: e se eu, que tinha tantas esperanças de fazer alguma coisa útil pela sociedade (confesso, eu queria mudar alguma parte do mundo, queria ter importância no mundo), não conseguir fazer nada, quando no meu leito de morte olhar para trás.
alma: estou num momento em que nada me motiva. o melhor foi mudando, mas desejei sempre fazer diferença no mundo. claro que depois as pessoas morrem e cheiram mal e cada um volta à sua vidinha. mas não queria morrer sem fazer isso. gostaria de ter sido uma ginasta profissional, gostaria de colocar em livro ideias parvas que tenho e que não coloco porque não quero ter que reler coisas más. não me quero confrontar com o meu fracasso. gostaria muito de já ter feito alguma pessoa enlouquecer por mim (em termos afetivos). gostava de trabalhar num grande museu, ensinar coisas aos outros, descobrir coisas na arte. o pior, e isso foi o que o médico também disse, é que as coisas querem-se na teoria. na prática metade do charme e da vontade esvai-se. não queria ser nenhuma guta; não me quero agarrar a meia-dúzia de lugares comuns que são ditos em reuniões. não quero fingir que sei, quero saber. quero muito saber.
não é que eu não ame as pessoas. mas tem dias e na maior parte das vezes amo aquilo que não se diz, aquilo que percebo delas.
um abraço
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