quinta-feira, dezembro 29, 2011

- ars longa, vita brevis -
hipócrates

antes e depois ou "como eu gosto mesmo do Caillebotte, ainda que os quadros dele sejam um bocadinho pirosos. quer dizer, quase todos os quadros são pirosos quando retirados do seu contexto espácio-temporal (estudar para o exame de literatura comparada está a fazer com que use esta linguagem!), e este não deveria ser exceção. mas a verdade é que uma natureza-morta nunca está de facto fora de moda ou quase nunca é feia. talvez as naturezas-mortas de hoje fossem cestos de ipod's, ipad's e gps's, em vez de cestos de frutas. é que tal como a fruta apodrece, aquelas coisas também um dia vão à vida... mas uma natureza-morta é sempre uma natureza-morta. aquilo que ali vemos é intemporal: os instrumentos musicais, as flores, os frutos, o espelho. quer dizer, se calhar sou eu a pensar que é intemporal, e não é, mas acho que é. mesmo aquele quadro com a raia é intemporal. bem, vamos ao que interessa. embora pareça que se trata só de bolos em cima de uma mesa, é mais do que isso. e ninguém me tira da ideia que as inúmeras mesas postas do Bonnard também possam sem naturezas-mortas. já dissemos aqui que as naturezas-mortas não eram o estilo preferido das academias, nem o eram dos impressionistas, círculo a que Caillebotte pertencia embora o seu nome seja menos citado. no entanto Manet, Monet e Renoir pintaram naturezas-mortas, algumas subentendidas (Renoir pintou-as nos piqueniques). Cézanne que uns consideram um impressionista e outros um pós-impressionista, pintou-as várias vezes. o que eu gosto neste quadro é que parece ter sido pintado como se ele tivesse passado pela montra de uma pastelaria e tivesse retido esta imagem. os bolos estão cortados (não fisicamente), mas a imagem deles no quadro, como se esta fosse apenas uma pequena parte de toda a abundância. na paris desta época nem tudo eram rosas - ou bolos - e por isso penso que o mesmo quadro ou o mesmo tema pintado por outro impressionista menos abastado talvez fosse diferente. afinal - e com a honrosa exceção dos homens que colocam o soalho numa casa, as cenas de Caillebotte eram sempre acerca do mundo abastado e próspero que ele tão bem conhecia.
Mas depois de um tempo... achamos que não existe mais naturezas-mortas. é como se a natureza-morta fosse o fio que podia ligar uma arte académica a uma arte revolucionária e acho que depois de uma certa altura, a arte tornou-se mais convencional do que aquilo que era com um Rubens ou com um Pré-Rafaelita. o que quero dizer é que na nossa cabeça as naturezas-mortas são de estilos de arte também mortos; são imagens figurativas e por isso, a partir do momento em que a arte procurou o abstrato, as naturezas-mortas foram afastadas da temática. mas elas estiveram sempre lá. e continuaram tão atuais que em 63 Thiebaud voltou à carga. claro que a identificação visual da coisa conta muito e abstração não permitia isso. Thiebaud também pinta os bolos como numa montra, cortados na margem do quadro, mas dá-lhes toda a composição. Gosto principalmente das cores pastel do massapão, do chantilly e do chocolate como se isto fosse delicatessen, num país que não teve alta pastelaria. gosto do retrato de uma abundância um crítica, da típica dieta americana antes do movimento pop.
Caillebotte
Gâteaux
1882
Coleção Privada

Wayne Thiebaud
Cakes
1963
National Gallery of Art, Washington