quarta-feira, setembro 01, 2010

- ars longa, vita brevis -
hipócrates



antes e depois ou como a Beluga vira o disco e toca o mesmo. Apesar das muitas correspondências entre formas de arte, às vezes falha-me o dedo e a paciência e tenho de improvisar. Por improvisar refiro-me a posts como estes cuja correspondência entre imagens é já adivinhada. (Aliás já usei aqui um paralelismo entre Rembrandt e Picasso quando falei, há algum tempo, na semelhança entre "Jupiter e Antíope" de Rembrandt e " Fauno descobrindo mulher dormindo" de Picasso). São tão fáceis como usar uma Cindy Sherman ou um David LaChapelle. Não é que eu goste, mas às vezes tem de ser, não para desenjoar, mas para cumprir a tradição de vos trazer um antes e depois. Quando o Belogue começou não existia nada disto, destas obrigações e destas imposições a que me ofereço como animal sacrificial. Mas agora que existe, e ainda não decidi mudar, fica como está e está muito bem.

Há uns tempos a National Gallery apresentou uma exposição que se não foi sucesso garantido, pelo menos deveria ter sido. Chamou-se "Picasso: Challenging the Past" e mostrava a influência que os Mestres Flamengos e do Renascimento exerceram sobre Picasso. Entre eles vemos Poussin, Cranach, Velazquez, El Greco e Rembrandt, como teremos oportunidade de mostrar hoje aqui. Picasso identificava-se muito com Rembrandt algo que podemos ver até nos seus quadros mais precoces. Tinham em comum a liberdade criativa que lhes permitia desenhar e complementar os desenhos com outros esquissos que podiam estar relacionados ou não com os primeiros. Não existia portanto um constrangimento quanto à perfeição de um trabalho. A perfeição seria maior ou menor consoante o grau de empenho e satisfação que o artista pudesse ter com a obra. Mas também partilhavam uma curiosidade que era a relação complexa que estabeleciam com quem para eles posava, transformando os seus modelos em meio para atingir um fim. Eles eram apenas o transporte para um resultado final que não os tinha como objectivo.

Depois de Sansão e Dalila, eis outra história bíblica: a de David e Bathsheba (lá está escrito Bate-Sheba, mas visualmente é feio). O rei David estava a passear uma tarde pelo terraço quando viu uma linda mulher a banhar-se lá em baixo. Chamou um criado e perguntou quem era ao que o criado respondeu ser Bathsheba, a mulher de Urias um soldado que estava fora ao serviço de David. Já que assim era (e já que o que era do seu soldado era seu), David foi ter com a mulher, puxou-a até ao palácio e fez amor com ela/violou-a, do que resultou a gravidez de Bathsheba. Depois, escreveu ao comandante de Urias e disse-lhe para integrar o soldado na frente da batalha mais feroz para que ele morresse. Apesar de isto ter acontecido e de David ter desposado Bathsheba a criança que deles nasceu apenas sobreviveu alguns dias, razão pela qual, apesar de ter conseguido a mulher que desejava, David se viu penitenciado pelos males que havia causado. Rembrandt pinta-a com um estilo eclético pois por um lado mostra-a como os primeiros artistas do Renascimento a pintaram - quase só a lavar os pés ajudada por uma aia -, mas ao mesmo tempo coloca-a a segurar uma carta entre as mãos, carta esta que não tem correspondência bíblica (já que a carta escrita por David foi para Urias). Picasso coloca-a a ler a carta, na mesma posição do original, mas junta a Bathsheba uma figura no lugar da criada, figura essa que mais parece um homem que corteja a jovem mulher do que um ajudante. Notemos também a abstração que quase infantiliza o rosto desta personagem, bem como a fulanização conferida pelo título: "another figure".
Rembrandt
Bathsheba with King David's Letter
1654
Louvre, Paris




Picasso
Seated Nude and another figure
1963

2 Comments:

Anonymous ana said...

melhor que Bate-Sheba, eu aprendi Betsabé

2/9/10 8:51 da manhã  
Blogger Belogue said...

pois, eu acho que também aprendi assim.

3/9/10 12:31 da manhã  

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