Antes e depois ou como não gosto muito deste depois ou como também a verdade é que não conhecia este depois. O antes do Ingres vem no seguimento da tradição Neoclássica e depois Romântica de um gosto pelo exotismo e pela raridade, um interesse por culturas diferentes para corroborar a ideia de que estávamos perante civilizações menores e que o homem civilizado tinha conseguido chegar até elas. Ingres pinta este harém baseando-se para isso nas cartas da senhora Mary Wortley Montague, esposa de um embaixador que descreve os banhos em Seraglio, Turquia, nos quais, pela descrição, deve ter sido autorizada a frequentar. Ingres copiou extractos das cartas e deverá ter sido através deles que pintou este e outros quadros dedicados ao orientalismo. Tanto aqui como nos referidos quadros há figuras que parecem estar na mesma posição, o que nos indica que Ingres terá copiado estas mulheres de uns quadros para os outros ou que as teria já em esboços. Isto não é especulação; por mais que se goste de Ingres, não esqueçamos – e isto é um facto – que ele não era um pintor muito dotado de imaginação. Talvez por isso se tenha distinguido no retrato e não nas pinturas que requeriam criatividade. Estas imagens relativas ao orientalismo são em grande parte retiradas das “turquerias” do século XVI, XVII e XVIII. O quadro foi entregue ao Princípe Napoleão, mas a imagens de tantos nus não agradou a Princesa Clotilde de Sabóia e por isso a obra foi devolvida a Ingres em troca de um retrato produzido pelo pintor. Mas Ingres não a deixou na sua forma original e até aos 84 anos de idade efectuou diversas alterações.
A obra, tal como outras, é muitas vezes o mote para pastiches de outros artistas pelas mais variadas razões: como forma de retratar vícios modernos, tragédias actuais (The raft of the medusa), temáticas de hoje… E o que se passa com este “depois” é isso. Não o conhecia e desconfiava um pouco das suas razões. A facilidade não me parece uma boa característica identificativa de uma obra desta ou daquela forma.
O autor é Anton Solomoukha que tentou nesta fotografia incorporar o pecado e a corrupção dos nossos dias no quotidiano com o recurso a uma obra conhecida e que na altura provocou algum escândalo (embora não fosse a expressão de um mundo corrompido e isto é que me aborrece pois o tipo pega na obra errada). Não penso que o recurso ao nu seja a melhor forma para expressar o tipo de corrupção vivido na nossa sociedade, nem os pecados do corpo são hoje os mais perniciosos, embora eu tenha de confessar que o nu, exposto de forma declarada e quase perversa me cause alguma estranheza. É isso que Anton Solomoukha faz aqui: usa esse nu depravado para nos aproximar, tanto quanto afastar da fotografia. Como ocidentais veneramos o nu, conferimos-lhe até o carácter de meio legítimo para atingir um fim. No entanto, não deixámos ainda de corar com o nu, não deixámos de o esconder e exposto, ele torna-se como uma relíquia que perde importância fora do relicário. Estas mulheres gastas, conhecidas, sem mistério, enfartadas já não são novidade nem motivo de interesse, mas apenas o espelho de uma civilização empanturrada e enjoada de tanto as consumir.
Ingres
The Turkish Bath
1862
Musée du Louvre, Paris
Bain Turc, Ingres
3 Comments:
também não conhecia este «depois». danke frau Beluga für esta neu descoberten
a vingança serve-se fria
Caro João Barbosa:
Olhe que ainda vou alugá-lo para me ensinar alemão...
Caro AM:
não percebi
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