- ars longa, vita brevis -
hipócrates
antes e depois ou como “isto não é um antes e depois, já o diz o prefácio da Segunda Edição. Depois de Zola ter escrito “Les Rougon Macquart: une famille sous le second empire”, Camilo Castelo Branco, com uma motivação diferente do escritor francês, mas aproveitando a eloquência do título, escreveu uma provocação ao Realismo que dizia abominar sob a denominação “Eusébio Macário: história natural e social de uma família no tempo dos Cabrais. Diz-se que “os Cabrais não são o segundo império” e que Eusébio Macário não é nem um Rougon e dos Macquart. Camilo terá escrito a obra por uma de duas razões (ou então as duas): para provar o quão básico era o Realismo, de tal forma básico que ele, um autor romântico conseguia escrever uma novela realista, ou pelo contrário, para angariar junto do governo o seu título de Visconde. Passo a explicar. A obra em si, seguida de “A Corja” que dá continuidade e desfecho mais justo à primeira parte, é um chorrilho de adjectivos e substanciação que reforçam as ideias duas e três vezes. Dou exemplos como: “Ela andava cheia de desejos animais; queria feiras e romarias com bailados de saracoteios desnalgados, pelintras, pedia socas de ponteira de verniz marchetadas de amarelo, com palmilhas de um escarlate de carne viva, e casibeques sarapantões de listras rubras e amarelas; lavava as pernas, brancas como pedaços de marfim polido das velhas imagens e maciezas cetinosas, nos riachos, com grande desfaçatez e presunção; boleava-se num quebrar de quadris reles de servilheta; tinha cheiros de mulher suspeita com grandes lampejos crus de óleo de amêndoas doces nos cabelos em bandos e muitos ardores”. A forma como faz uso desta adjectivação é um pouco diferente da de Eça que no meu ponto de vista era mais certeiro, mas piscava o olho à prosa de Eça de quem Camilo nunca gostou. Aliás, “Eusébio Macário” começa com a descrição de um relógio (“Havia na botica um relógio de parede, nacional, datado de 1781…”. Também o “O Primo Basílio” de Eça começa com um relógio (“Tinham dado onze horas no cuco da sala de jantar”). No entanto, as semelhanças acabam aqui; tudo o resto é zombaria.
Camilo refere-se com asco à modernidade, a tudo o que é novo, enquanto Eça se abstém de fazer juízos. Camilo fala de “farfalhices modernas”, “cambada moderna”, “modernices estólidas” e “ignorância da Botânica moderna”. O escritor é ambíguo. Na sua dedicatória confessa que a sua aposta de fazer um romance realista tinha falhado, mas isto é quase Camilo a fazer-se rogado. É como se mostrasse que não tendo qualquer talento ou interesse que não o lúdico, em fazer uma obra realista, a fez tão bem que é capaz de fazer qualquer coisa. Na referida dedicatória Camilo diz o seguinte: “Minha querida amiga: Perguntaste-me se um velho escritor de antigas novelas poderia escrever, segundo os processos novos, um romance com todos os tiques do estilo realista. Respondi temerariamente que sim e tu apostaste que não. Venho depositar no teu regaço o romance, e na tua mão o beijo da aposta que perdi”. Ora esta obra de Camilo, passado o choque inicial, foi um sucesso. Era Camilo a subvalorizar-se para que os outros o sobrestimassem.
Mas haverá outra razão para a obra: o tempo dos Cabrais foi o tempo da troca de títulos por votos. Daí a expressão: “Foge cão que te fazem barão. Para onde se me fazem visconde?”. Talvez Camilo, amantizado com Ana Plácido e a viver a mesma vida dissoluta em detrimento de um crescimento intelectual, tal como vivia a família de Eusébio Macário (ele próprio um intelectual de pacotilha que acumulava na oratória definições da enciclopédicas), estivesse desta forma a tentar obter o seu título de visconde. É que nas obras que se seguiram a Eusébio Macário o pendor foi sempre o da glorificação da monarquia. E a Monarquia via nele o bastião contra a ideologia invasora dos costumes do reino. Por isso cedeu-lhe o título de visconde.
Como se disse, a história de Zola e a de Camilo assemelham-se no título, aproximam-se na data (Zola escreveu a obra em 1871 e Camilo Castelo Branco escreveu Eusébio Macário em 1879) e também na estrutura: ambos são compostos por vários volumes. A história dos Rougon Macquarts é descrita ao longo de cinco gerações através de 20 volumes escritos entre 1871 a 1893. Mas enquanto Camilo estava interessado em treinar o seu Realismo, Zola estava interessado em transpor para o papel os seus estudos e leituras sobre o darwinismo, o evolucionismo, a hereditariedade e o determinismo científico. Conta por isso a história de uma família com um número de membros reduzido, e que ao longo das várias gerações vai aumentando. O crescimento da família (o conjunto dos tomos tem mais de mil personagens que representam as más condições de vida daquela época, a inveja, a traição, a intriga) é condicionado pelo tempo e pelo espaço onde os seus membros vivem. Começam por viver da agricultura e passam pela arte, pela política, pela banca e os casamentos e cruzamentos entre membros dão origem a doenças físicas e mentais. Por isso se chama história Natural e Social de uma família.
Camilo refere-se com asco à modernidade, a tudo o que é novo, enquanto Eça se abstém de fazer juízos. Camilo fala de “farfalhices modernas”, “cambada moderna”, “modernices estólidas” e “ignorância da Botânica moderna”. O escritor é ambíguo. Na sua dedicatória confessa que a sua aposta de fazer um romance realista tinha falhado, mas isto é quase Camilo a fazer-se rogado. É como se mostrasse que não tendo qualquer talento ou interesse que não o lúdico, em fazer uma obra realista, a fez tão bem que é capaz de fazer qualquer coisa. Na referida dedicatória Camilo diz o seguinte: “Minha querida amiga: Perguntaste-me se um velho escritor de antigas novelas poderia escrever, segundo os processos novos, um romance com todos os tiques do estilo realista. Respondi temerariamente que sim e tu apostaste que não. Venho depositar no teu regaço o romance, e na tua mão o beijo da aposta que perdi”. Ora esta obra de Camilo, passado o choque inicial, foi um sucesso. Era Camilo a subvalorizar-se para que os outros o sobrestimassem.
Mas haverá outra razão para a obra: o tempo dos Cabrais foi o tempo da troca de títulos por votos. Daí a expressão: “Foge cão que te fazem barão. Para onde se me fazem visconde?”. Talvez Camilo, amantizado com Ana Plácido e a viver a mesma vida dissoluta em detrimento de um crescimento intelectual, tal como vivia a família de Eusébio Macário (ele próprio um intelectual de pacotilha que acumulava na oratória definições da enciclopédicas), estivesse desta forma a tentar obter o seu título de visconde. É que nas obras que se seguiram a Eusébio Macário o pendor foi sempre o da glorificação da monarquia. E a Monarquia via nele o bastião contra a ideologia invasora dos costumes do reino. Por isso cedeu-lhe o título de visconde.
Como se disse, a história de Zola e a de Camilo assemelham-se no título, aproximam-se na data (Zola escreveu a obra em 1871 e Camilo Castelo Branco escreveu Eusébio Macário em 1879) e também na estrutura: ambos são compostos por vários volumes. A história dos Rougon Macquarts é descrita ao longo de cinco gerações através de 20 volumes escritos entre 1871 a 1893. Mas enquanto Camilo estava interessado em treinar o seu Realismo, Zola estava interessado em transpor para o papel os seus estudos e leituras sobre o darwinismo, o evolucionismo, a hereditariedade e o determinismo científico. Conta por isso a história de uma família com um número de membros reduzido, e que ao longo das várias gerações vai aumentando. O crescimento da família (o conjunto dos tomos tem mais de mil personagens que representam as más condições de vida daquela época, a inveja, a traição, a intriga) é condicionado pelo tempo e pelo espaço onde os seus membros vivem. Começam por viver da agricultura e passam pela arte, pela política, pela banca e os casamentos e cruzamentos entre membros dão origem a doenças físicas e mentais. Por isso se chama história Natural e Social de uma família.
2 Comments:
que hei-de dizer? nunca gostei do Camilo... ainda menos que do Garrett.
Não...calma!! "Folhas Caídas" do Garrett, já leu? É bem pior que o Camilo. Não gosto de um nem de outro porque só tenho olhos para o Eça, confesso, mas acho o Eça inigualável. Acho que nunca mais se produziu um escritor tão incisivo como ele aqui em Portugal.
E ao que dizem, colocava demasiadas vírgulas e nos sítios errados...
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