quarta-feira, novembro 19, 2008

- o carteiro -

what to wear V (século XVIII):
Pois agora é que a porca começa a torcer o rabo (com todo o respeito pela porca e pelo derriere (You want a piece of me) da porca, entenda-se). Assistimos, no século XVIII assim como já tínhamos visto no século XVII, uma evolução muito rápida dos movimentos estilísticos. Podemos dizer que não obstante o “back to black” de sábado, a moda e a produção artística andaram de mãos dados no que diz respeito ao ritmo. Note-se que a partir de uma determinada altura, por causa da divisão das classes sociais e da queda do Império Romano do Ocidente, a moda, bem como a arte, começou a ficar mais polarizada: não existia apenas um estilo, mas um estilo para cada classe social e em cada reino e por cada monarca. É portanto natural que cada vez mais esta divisão por séculos deixe de fazer sentido. Para o século XVIII, vamos deixar ficar assim, mas veremos que os estilos se sobrepõem ou se sucedem a um ritmo que não faz muito sentido. O que acontece no século XVIII só faz sentido quando visto no seguimento da moda do século XVII. Já aqui tínhamos visto que a corte de Versalhes era quem ditava a moda e a partir daí, tudo o que fosse francês era sinónimo de elegância, requinte e bom gosto, independentemente dos exageros (que os houve, e muitos). A corte de Luís XIV já não era a corte de um rei jovem e irreverente, bom dançarino ("Le roi danse" de 2000 realizado por Gérard Corbiau), mas de um monarca envelhecido que tinha substituído a perenidade da alegria originária no seu gosto hedonista, pelos sossegos de alma da religião. As grandes cortesãs foram afastadas da corte e do rei aproximaram-se mulheres como Madame de Maintenon que usava ainda a fontange e vestia-se de modo muito sóbrio. Quanto aos homens, no século XVIII persistiu o uso da peruca comprida, como tínhamos visto com Carlos II e que era usada não para esconder a calvície, mas como forma de obter estatuto social e diferenciação das classes. O mais estranho é que o costume (perucas empoadas) persistiu até à Revolução Francesa, não obstante não ser prática nem higiénica. As perucas passaram de compridas e muito altas no topo da cabeça para um estilo mais simples como podemos ver nas imagens comparativas. Só 30 anos as separam. Mesma os soldados deviam usá-la (o que não me parece muito prático), mas tinham direito a um peruca especial chamada Ramillies. Continuava a ter cachos, mas estes eram arrumados em três filas por cima das orelhas e atrás o cabelo era preso num rabo-de-cavalo. As tipologias de perucas mudavam consoante o gosto, a moda e o estatuto que cada pessoa tinha, mas eram sempre feitas de cabelo humano (a mais onerosa), ou crina de bode, ou crina de cavalo ou até fibras vegetais.





Quando o rei morreu, morreu com ele um pouco do fausto que existia na corte. As pessoas sentiam-se mais libertas e isso reflectiu-se no vestuário que se tornou mais leve em comparação com os cerimoniais e inúmeras regras da corte do rei sol. Os vestidos das senhoras eram de tal forma livres e sem ataviamentos que havia mesmo quem dissesse que a única preocupação das mulheres era andarem desarranjadas. Os vestidos chamavam-se sacks e eram completamente soltos, apenas com pregas nas costas. Havia uma variação deste estilo e que consistia na disposição das pregas que saíam do pescoço e juntavam-se à pregas do vestido. Eram chamados os sackback e quem melhor que Watteau para dar o exemplo de um sackback.



Houve outra novidade no vestuário feminino: o regresso dos aros nas saias, para dar a sensação de volume lateral. Enquanto até aí (principalmente com o uso da fontange) as mulheres pretendiam ficar mais esguias, as saias armadas tornava-as mais anafadas. Estes arcos eram feitos através de barbatanas de baleia ou arcos de salgueiro e chamavam-se panier; ou seja, "cesta" em francês porque era com uma cesta que a estrutura da saia se parecia. Às vezes o exagero era tal que existia um espaço de cerca de 4,5metros entre a mulher e a pessoa que lhe podia estar mais próxima. Quanto a sentar no mesmo sofá, nem pensar, como podemos ver na imagem do casal. Ele está de pé talvez por moda da época, mas ela ocupa todo o espaço. Os vestidos podiam ser abertos ou fechados (sendo estas designações muito vagas), o que mostra desde já que não existia uma só moda, mas várias e com o passar do tempo a moda feminina foi-se alterando quase década a década e a masculina, só pontualmente até cerca de 1775, continuando portanto a ser a moda do corte do rei Luís XIV. Os vestidos fechados eram compostos por um corpete e uma anágua (a combinação por cima da estrutura) e uma saia sem abertura à frente. As senhoras mais recatadas usavam um lenço de linho, musselina ou seda a proteger o peito de olhares indiscretos, peito esse que entretanto foi aumentado artificialmente. É que para além do corpete normal, também havia a versão "fortificada" em que o corpete era feito de um material forte como barbatanas para levantar as mamocas. Os vestidos abertos eram mais utilizados que os fechados e caracterizavam-se por possuir uma abertura à frente que deixava ver a anágua, muitas vezes mais arranjada e bordada que a própria saia. Era moda o corpete feito em barbatanas de baleia, ser enfeitado à frente com laços em sentido decrescente e bem apertado atrás. As mangas acabavam logo abaixo do cotovelo, mas até ao punho podia ver-se um desmultiplicar de folhos. As mangas eram largas o suficiente para deixar passar as várias filas de renda da chemise (que era interior).





Como tínhamos visto atrás a moda masculina não sofreu alterações significativas até pelo menos 1775. Os senhores usavam casaco, colete e calções. O casaco ficava bem justo até à cintura e depois abria com comprimentos variados, em três lados: uma abertura atrás e duas laterais. O casaco não tinha gola, mas tinha muitos botões principalmente à frente. Mas como os casacos eram muito justos, o mais comum era ficarem abertos. Os punhos do casaco sofreram alterações, uma vez que ao longo do século foram diminuindo de tamanho. Quando finalmente já não havia mais nada para reduzir, decidiu-se imitar o gosto feminino e expor nos punhos a renda da camisa que, segundo as tendências, deveria combinar com a renda do peito. Como o casaco estava, na maior parte do tempo desabotoado, os homens aproveitavam para mostrar o trabalho bordado no colete que era ricamente decorado, embora nas costas do colete fosse utilizado um tecido muito mais barato que para a frente. No entanto, por volta de 1750 o bordado do colete passou para o casaco e foi para aí que as atenções se voltaram. Os calções pelos joelhos não sofreram grandes modificações durante o século XVIII. Eram presos nas ancas sem recurso a cinto ou suspensórios, apertados abaixo do joelho com botões e as meias, geralmente brancas, usadas por cima dos calções. No entanto por volta de 1735 os calções passaram a ser fechados nas pernas com grandes fivelas e passaram a ser usados por cima das meias. Manteve-se o bordado na camisa (ou steinkirk), mas o que mudou foi o chapéu, o tricórnio que era usado por todas as classes: com abas dobradas pela nobreza e pelos intelectuais, sem abas dobradas, pelos camponeses. As abas eram presas com um botão ou uma jóia na dobra do lado esquerdo, e o chapéu era feito de pele de castor ou de coelho (mais barato), e tinha geralmente cor preta, embora de vez em quando uns janotas aparecessem de chapéu branco.


Por volta de 1760 podemos assistir ao aparecimento de dois movimentos: num movimento campestre por parte da corte francesa que acompanhava o regresso à natureza inglês e o movimento dos "macaroni" que era um movimento de oposição aos excessos da moda. O curioso em França é que a corte francesa desde sempre gravitou em volta do rei e de si mesma. Os nobres ingleses por seu turno viviam muito para as suas propriedades: o rei era soberano, mas não viviam em função do rei. Gostavam de caçar e de estar no campo e cedo se aperceberam que as roupas da corte não eram adequadas à vida no campo. Os nobres ingleses, por exemplo, não usavam calções com meias brancas, mas botas que protegiam o vestuário. O que mudou, e momentaneamente, foi o tricórnio que passou a ser mais comedido e os casacos masculinos que passaram a ser menos formais. Quanto aos "macaroni", eram sujeitos que se vestiam de forma extravagante e falavam de forma afectada. O termo vem do "macarrónico". Quando alguém fala um inglês macarrónico, é porque está a misturar línguas e estilos e tenta aproximar sotaques. Era designado para alguém que passou todas as fronteiras no bom gosto, desde o vestir ao comer; no fundo era um dandy. Vestiam-se de forma extravagante, mas Oscar Wilde também passeou uma lagosta pela trela! Os "macaroni" usavam sapatos finos com fivelas enormes que podiam ser de ouro ou prata, os botões dos casacos também eram desproporcionais, os chapéus eram muito pequenos, mas os penteados, minha Nossa Senhora! Os penteados tinham cachos e eram muito altos e volumosos como o comprovam as imagens.


As senhoras adoptaram este estilo para o cabelo, mas para elas não foi um movimento passageiro e dandy como para os "macaroni"; não, elas levavam muito a sério o seu metro de altura só em cabelo. O primeiro método para conseguir isto foi colocar pequenas almofadas de fibra, lã ou crina de cavalo, por cima da cabeça e ir esticando o cabelo natural, prendendo estrategicamente com travessões (aqui é que começou o uso dos travessões no cabelo) e juntando, para criar o efeito desejado, meças de cabelo postiço, fileiras de cachos. E tudo isto, à prova de água. Mais tarde as almofadas foram substituídas por uma estrutura de arame (o que provocava umas valentes dores de cabeça) sobre a qual o cabelo natural era enrolado. Depois tudo isso era composto com o cabelo postiço, coberto de uma pomada, depois de um pó branco e assim podia permanecer durante meses. Era portanto natural que os piolhos achassem que aquela era a residência actual e que as senhoras tivessem de recorrer a uma mãos de marfim (que hoje nos dizem ser usado para esfregar das costas), que penetravam na cabeleira e ajudavam a aliviar a coceira. Não queria terminar este parágrafo sem dizer que para além disto tudo, os cabelos eram adornados com plumas, penas, pássaros, moinhos, navios com velas abertas, jardins com flores naturais (imagem de Keira Knightley no filme The Duchess) ou por um pequenino chapéu tricórnio no topo da cabeça (Kristen Dunst no film Marie Antoinette).



Em 17770 deu-se início a uma transformação marcante no vestuário feminino: as senhoras deixaram os vestidos armados com os arcos e passaram a usar "anquinhas", o que, tal como o arco, não devia ser nada prático. Os corpetes também foram aumentados de forma a produzir o efeito de "peito de rola em época de acasalamento"; ou seja, os corpetes começaram a ser estufados o que deu algum volume à caixa torácica. O vestuário feminino percebeu que não lhe estava vedado nenhum estilo e foi nesta altura que as senhoras passaram a usar casacos semelhantes aos dos homens, mas mais compridos, abotoados até à cintura para poderem montar e passear no campo. Era o chamado "vestido-casaco".


É por esta altura que começam a aparecer os Fashion Plates; ou seja, ilustrações de moda feminina nas publicações dedicadas ao público feminino como o "The Lady's Magazine", o que quer dizer que este foi o momento do nascimento da revista de moda e da fotografia de moda. Não confundir no entanto Fashion Plates com Costume Plates. Os Costume Plates eram feitos à posteriori, quando a moda já tinha passado de moda. Os Fashion Plates por seu lado davam a conhecer o que se estava a usar e o que se ia usar, um pouco à semelhança dos suplementos de tendências de hoje.

Mas eis senão quando (adoro esta expressão!) estala a Revolução Francesa que trata de acabar com todas as memórias do Antigo Regime, mesmo que estas sejam penteados ou trapos. Toda a gente adopta um estilo mais simples, ou por não poder, monetariamente, arcar com os custos de um vestuário tão caro, ou como forma de passar despercebido e não ser acusado de apoio aos destronados. Havia um aparente "retorno à natureza", isto para as pessoas se apresentarem o mais simples possível. E tal como anteriormente, adoptaram os costumes ingleses de não usar tricórnio, nem rendas nos punhos nem na gola, de não usar brocados, bordados e artifícios capilares, o que resultou numa verdadeira anglomania. Mas como se disse, o regresso à natureza foi aparente. Após a morte de Robespierre e do Terror, os que sobreviveram com a cabeça no lugar voltaram a vestir-se conforme se lhes dava. E o que lhes apetecia, só para variar, era vestir uma versão um pouco parola do estilo inglês. Os homens escolheram casacos de caça ingleses muito compridos, botas com formatos estranhos, coletes muito curtos e os colarinhos e os lenços no pescoço tão subidos que às vezes tapavam a boca. Esta moda produziu dos exemplos mais bizarros nas silhuetas masculinas de tal forma que lhes foi dado um nome: Les Incroyables enquanto as senhoras receberam o nome de Merveilleuses (podemos ver na imagem dois incríveis e duas maravilhosas). As maravilhosas abandonaram as anquinhas, os paniers e os espartilhos para adoptarem um robe ou uma chemise (que parecia uma camisa de dormir porque era uma peça branca muito solta e com o peito subido, sem cintura marcada e até aos pés) em musselina ou cambraia, tão transparente que era necessário usar sempre alguma coisa por baixo. A roupa de dia e a roupa de noite não mudava muito, excepto nos acessórios e na qualidade dos tecidos. Ficaram assim definidas as linhas gerais do que viria a ser a moda no século XIX. Para as senhoras, vestido estilo Império e para os senhores o casaco, os calções, as meias e o colete.

7 Comments:

Anonymous Anónimo said...

muito bom beluga !
as ilustrações são óptimas !naquele tempo eu seria uma macarrónica ...

19/11/08 7:27 da tarde  
Blogger Belogue said...

eu também. ou usaria uma peruca de um metro de altura e ía ao cinema com ela. ou à igreja. ou ía dançar com fios amarrados na peruca e um assistente lá em cima a coordenar os movimentos do cabelo. ia nadar e batia recordes com o cabelo e não precisava de usar touca porque já é water-proof. eu quero uma peruca daquelas. e um pequeno cajado para amparar a cabeça quando o sinal estiver vermelho para os peões.

20/11/08 12:13 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

O Paulo Vieira nos finais dos oitentas do séc. xx fez para a moda lisboa umas cabeleiras absolutamente espantosas iguais a estas mas eram em palha de aço e depois tinham apontamentos como se fosse de chantily em lã ! se quiser posso lhe encomendar uma !

20/11/08 12:48 da manhã  
Blogger AM said...

gajas!

20/11/08 11:59 da tarde  
Blogger [A] said...

Excelentes posts estes Beluga.
Tenho de voltar com mais tempo para lê-los com atenção.

Cumprimentos
Ana

5/12/08 11:46 da manhã  
Anonymous SORAIA said...

AMEI, MUITO BOM PARAB
ÉNS.FOI O MELHOR QUE JÁ TINHA VISTO.
FELICIDADES

29/7/09 11:11 da tarde  
Anonymous Alice said...

Maravilhoso! Adorei :D

11/6/10 5:22 da tarde  

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