- o carteiro -
o artista, o crítico, a crítica e o amante deles
Jornal Público do dia 19 de Setembro, sexta-feira, semana passada. No suplemento Ípsilon, página 38, o "espaço Público" no topo da página dedicado às críticas dos leitores, podemos ler a seguinte frase de uma senhora, professora, que apreciou o filme "Antes que o diabo saiba que morreste": "O modo narrativo aponta sempre os segmentos do narrável com contornos de análise complexa que delineia bem cada personagem e a sua relação com o seu mundo em final de linha". Pois... Havia necessidade de empregar um pensamento tão circular para dizer que a narrativa e a forma como ela era apresentada define a complexidade de cada personagem com precisão? A senhora em causa faz a sua crítica, expõe a sua opinião num espaço público que o Público concedeu aos seus leitores. Posso não gostar do estilo porque a perífrase entusiasma-me tanto quanto uma queimadura por fricção, mas não posso deixar de notar que não é grave. Apesar de tudo conta como opinião. Mau mesmo é quando é um crítico que, ao fazer uso de uma linguagem rebuscada, mascara de erudição o conteúdo daquilo que quer dizer, deixando por vezes, passar em claro, aspectos de grande importância.
Jornal Público do dia 19 de Setembro, sexta-feira, semana passada. No suplemento Ípsilon, página 38, o "espaço Público" no topo da página dedicado às críticas dos leitores, podemos ler a seguinte frase de uma senhora, professora, que apreciou o filme "Antes que o diabo saiba que morreste": "O modo narrativo aponta sempre os segmentos do narrável com contornos de análise complexa que delineia bem cada personagem e a sua relação com o seu mundo em final de linha". Pois... Havia necessidade de empregar um pensamento tão circular para dizer que a narrativa e a forma como ela era apresentada define a complexidade de cada personagem com precisão? A senhora em causa faz a sua crítica, expõe a sua opinião num espaço público que o Público concedeu aos seus leitores. Posso não gostar do estilo porque a perífrase entusiasma-me tanto quanto uma queimadura por fricção, mas não posso deixar de notar que não é grave. Apesar de tudo conta como opinião. Mau mesmo é quando é um crítico que, ao fazer uso de uma linguagem rebuscada, mascara de erudição o conteúdo daquilo que quer dizer, deixando por vezes, passar em claro, aspectos de grande importância.
Ora vejamos. Jornal Expresso, dia 20 de Setembro, suplemento Actual, página 36 (por acaso em rodapé está ao contrário "página 36, Actual, 20 Setembro 2008, Expresso) - não reparei por ser a página do meio, confesso que dediquei o fim de semana a pensar nestas coisas, among others - o crítico que fala da exposição de João Paulo Feliciano diz o seguinte (coluna de texto da direita): "As colagens que abrem a exposição usam as palavras 'Blues' e 'Quartet' retiradas de discos seminais num jogo de apropriação linguística habitual na obra de Feliciano". A primeira parte da frase, não é mais do que a descrição da imagem que ilustra quase meia página deste tema e por isso a meu ver, desnecessária. Uma coisa é a crítica à exposição (à qual foram atribuídas três estrelas - pois, a Maya também confiava nas estrelas e está a apresentar programas de televisão. e não são em horário nobre -, sem que no texto nos seja explicado o porquê daquela "avaliação") e outra a crítica das obras a exposição. Se uma não se faz sem a outra, pelo menos que se informe o leitor do porquê das três estrelas (talvez uma crítica não filiada fosse bom, para variar, não sei, sou eu a dizer...). E que se informe também o leitor que "os discos seminais" são da autoria do próprio artista porque não obstante no início do artigo estar escrito "é uma exposição que faz jus à dupla condição de artista plástico e músico que João Paulo Feliciano vem cultivando...", ninguém adivinha que o mesmo já editou discos. Ainda que o Suplemento Actual seja dedicado à cultura, devia aproximar as pessoas da mesma e não afastá-la.
Mas o que me espanta mesmo, é que ao contrário dos políticos ou até dos actores, os artistas plásticos, tão etéreos na sua forma de viver e tão desligados das coisas materiais, nunca terem contestado a crítica; ou seja, os artistas plásticos nunca se dirigem aos críticos e à crítica (geralmente amorfa para não ferir susceptibilidades) contrapondo ideias. Compreendo que qualquer pessoa que se sinta lesada interfira, conteste o que de si é escrito. Já ouvi políticos a contestar as opiniões dadas em relação ao seu trabalho, às suas propostas. Mas nunca ouvi nem li um artista plástico dizer "não, olhe, vai-me desculpar, mas quando diz que naquela instalação eu pretendo dizer 'isto', na realidade eu pretendo dizer 'aquilo'. Ficamos com a sensação que o artista, quer se diga bem ou mal (porque deve estar preparado para aceitar a crítica favorável e a menos simpática), fica satisfeito que se pense seja o que for da sua obra, uma vez que ele não pensou. É uma pertinência à posteriori. Parece ser preferível não discutir ideias pelo receio de ficar sem elas, do que fazê-lo e mostrar que na realidade as mesmas nunca existiram. Como tudo se coloca na esfera das possibilidades, no mundo opaco das intenções artísticas e no uso do verbo no Condicional, todas as hipótese ficam em aberto. E eu fico sem saber se é bom ou é mau, mas quase com a certeza que é mau porque a crítica não deve ter preferências nem medo, mas deve estar bem fundamentada e vir das convicções de quem a escreve, sem que para isso seja necessário recorrer ao e-bay das palavras caras.
Mas o que me espanta mesmo, é que ao contrário dos políticos ou até dos actores, os artistas plásticos, tão etéreos na sua forma de viver e tão desligados das coisas materiais, nunca terem contestado a crítica; ou seja, os artistas plásticos nunca se dirigem aos críticos e à crítica (geralmente amorfa para não ferir susceptibilidades) contrapondo ideias. Compreendo que qualquer pessoa que se sinta lesada interfira, conteste o que de si é escrito. Já ouvi políticos a contestar as opiniões dadas em relação ao seu trabalho, às suas propostas. Mas nunca ouvi nem li um artista plástico dizer "não, olhe, vai-me desculpar, mas quando diz que naquela instalação eu pretendo dizer 'isto', na realidade eu pretendo dizer 'aquilo'. Ficamos com a sensação que o artista, quer se diga bem ou mal (porque deve estar preparado para aceitar a crítica favorável e a menos simpática), fica satisfeito que se pense seja o que for da sua obra, uma vez que ele não pensou. É uma pertinência à posteriori. Parece ser preferível não discutir ideias pelo receio de ficar sem elas, do que fazê-lo e mostrar que na realidade as mesmas nunca existiram. Como tudo se coloca na esfera das possibilidades, no mundo opaco das intenções artísticas e no uso do verbo no Condicional, todas as hipótese ficam em aberto. E eu fico sem saber se é bom ou é mau, mas quase com a certeza que é mau porque a crítica não deve ter preferências nem medo, mas deve estar bem fundamentada e vir das convicções de quem a escreve, sem que para isso seja necessário recorrer ao e-bay das palavras caras.
2 Comments:
a "chave" está logo na epígrafe
esta gente confunde o amador com a coisa amada e ou muito me engano ou os "críticos" acabam na cama com os "artistas"
os suplementos "culturais" são apenas os "preliminares"... o melhor é passar (rapidamente) por cima dos "textos críticos" e olhar directamente, com disponibilidade, para as obras
para voltar ao tema culinário... isto da relação entre os artistas e os críticos, são só panelinhas...
"discutir ideias (...) que nunca existiram", esse é que é o problema...
caro am:
mas isso é muita gente a dormir com muita gente...
não posso passar os preliminares culturais: é neles que se nota a promiscuidade. e mais, são estes textos que nos levantam a dúvida que expliquei no post: um artista nunca contesta a ideia que um crítico dá dele porque no fundo, "mais vale uma ideia na mão do que" nenhuma sobre o trabalho. é como se tivessem medo de discutuir, de argumentar: discutir ideias não significa ficar sem elas!
Enviar um comentário
<< Home