quinta-feira, dezembro 06, 2007

- ars longa, vita brevis -
hipócrates
Este post não estava para ser sobre o fresco da Trindade de Masaccio, uma vez que o mesmo já foi muito estudado. Mas aqui no Belogue já postamos sobre tantas coisas e tantas obras já estudadas que limitar a postagem só porque alguém já fez este tio de análise iria limitar todo o campo de acção. O fresco merece um post porque é um dos melhores exemplos do uso da geometria na concepção de uma perspectiva mais apelativa que não se socorria, como era hábito até aí, de nichos, de diferenças de altura entre intervenientes numa pintura, em arquitecturas fantasistas… Masaccio pintou uma cena que à partida seria plana, sem grande espaço para profundidade e fez o melhor e com muito bom gosto. Um "trompe l'oeil", perfeito. Não simulou uma paisagem na parede, o que seria um pouco ridículo, optando antes por seguir os seus antecessores; ou seja, simulou uma estrutura arquitectónica onde colocou Cristo. Com isto conseguiu uma ajuda preciosa para obter o efeito perspéctico que desejava e além disso conseguiu uma cena que não choca com o interior da sala, uma vez que simula um nicho.

Masaccio
Trinity
1427-28
Santa Maria Novella, Florença

O fresco é enorme; mede 6,67m por 3,17m, o que permite essa tal artimanha geométrica. Masaccio pintou o fresco a ocupar toda a altura da igreja. Como o fresco tem cerca de 6 metros de altura, um observador comum terá a linha dos olhos, terá a altura do ponto onde começam os pés de Cristo. A esse ponto o fresco tem de altura, a partir de baixo, 1,74m. Essa pode ser considerada a sua linha do horizonte, a linha verde. O observador posicionado completamente de frente para o fresco tem a linha da sua abcissa no corpo de Cristo. Cruzando essas duas linhas obtemos o ponto de fuga da pintura, ponto esse para onde confluem todas as linhas de força do quadro. Antes de Leonardo usar numa das suas Anunciações as linhas do pavimento para conferir profundidade ao quadro e assim torná-lo mais semelhante à realidade (não por missão evangelizadora mas porque os artistas do Renascimento queriam explorar capacidades até aí desconhecidas, queriam a terceira dimensão no plano), já Masaccio usava as linhas dos caixotões de uma abóbada para conseguir esse tal efeito de profundidade. Parece de facto que as personagens têm carne, que se movem, que são reais e fazem parte de enorme quadro-vivo. Todas as linhas a branco que passam pelos caixotões (estrutura verdadeira em arquitectura que era usada para aliviar o peso de um cúpula ou abóbada, veja-se o Panteão em Roma. Eu sei que parece pedante, mas foi o que me ocorreu), vão ter aos pés do Cristo crucificado. Um dos triângulos, o triângulo rosa invertido, passa por trás da cabeça da mãe de Cristo, Maria, à esquerda, pelos pés de Cristo e por trás da cabeça de São João Baptista, à direita. O triângulo vermelho invertido tem um vértice nos pés de Cristo e passa pelas mãos em oração e perfil do rosto de uma personagem que não consegui identificar á esquerda. Do mesmo vértice sai o outro lado do triângulo se tem o mesmo percurso, mas desta feita toca de leve as mão e o rosto da outra personagem. O terceiro triângulo não aparece completo, até porque a parte de baixo do fresco esteve, até ao século XX, até 1952, tapado. Mostra um túmulo com o esqueleto de Adão. Sobre este podemos ler a seguinte inscrição: «Io fu già quel che voi sete: e quel chi son voi ancor sarete». Isto quer dizer: Eu fui o que tu és e o que eu sou, serás tu um dia. Nota-se uma certa semelhança com “porquanto és pó e em pó te tornarás. (Génesis 3:19). Ou então, em última análise: “nós ossos que aqui estamos, pelos vossos esperamos” (Capela dos Ossos).
Todo o fresco é uma lição de arquitectura: há quem diga que Brunelleschi interveio mesmo na pintura, há quem fale em semelhanças com as descrições do Gólgota na Bíblia.( E, chegando ao lugar chamado Gólgota, que se diz: Lugar da Caveira, (Mateus 27:33)




Panteão de Roma

4 Comments:

Blogger João Barbosa said...

Agora é a sério... estou perdido de amores por si... Depois desta posta não pode um homem resistir-lhe.
óh pra mim a piscar-lhe o olho ;-)

6/12/07 9:55 da manhã  
Blogger AM said...

merece outro comentário...
volto já...

6/12/07 1:40 da tarde  
Blogger AM said...

beluga

repare que as "linhas brancas", os "nervos" da estrutura dos caixotões, não vão ter aos pés do Cristo crucuficado, mas sim à base da cruz, ao ponto onde a cruz toca (apoia?, encastra?) o chão
calculo que seja intencional e que tenha um (ou mais) significados

as figuras em segundo plano, Maria e JB (whatever hapen to José!?...), estão no alinhamento das colunas do arco do plano mais recuado, debaixo dos capiteis... como umas cariátides pagãs... (alguma fonte "levantou" este ponto?)

a pintura sem "plinto", sem a parte "oculta" devia perder muito...
como as representações do tempieto do Bramante sem... "cave"

6/12/07 8:20 da tarde  
Blogger Belogue said...

Caro AM:
tem razão quanto ao ponto de fuga, mas sabe que vou escrevendo e às vezes o que sai é o que fica, desculpe.
quanto à cariátides, não sei... quer dizer, não tinha pensado neles como cariátides, mas se tudo está alinhado, é natural que estejam no seguimento, pelo menos, do capitel das colunas, que é uma coisa que dá muito jeito. um capitel é um arranjo!

7/12/07 2:36 da manhã  

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