terça-feira, novembro 06, 2007

- o carteiro -
[coisas que ouço]
No metro apanhamos as figuras mais estranhas e típicas das respectivas cidades. Em Lisboa ninguém fala, só os gunas e a miudagem que se desdobra em bués. No Porto, com sorte, podemos apanhar daquelas pessoas que fazem maratonas médicas (“eu tenho muita tosse”, “ah, mas a minha tosse é seca e sai verde”, “mas eu estou a tomar 10 comprimidos por dia fora as injecções que me saem a mil escudos cada”, “e eu tomo 13 comprimidos”…). Pois apanhei as duas figuras mais atípicas que pensava encontrar naquele metro. Dois senhores, um deles baixo, magro, calvo e muito rosado, vestia uma camisa azul clara, gravata às litras em todos os tons pastel imagináveis, casaco à “Festa de Verão na Capital”, azul marinho com botões dourados e lencinho vermelho a sair da lapela, calças de bombazina creme, meias da mesma cor e sapatos castanhos escuros de camurça. Na mão esquerda uma aliança e um anel de ouro com pedra âmbar que não podia ser de fim de curso porque o senhor já não tinha idade para andar com esses atavios, não obstante o orgulho que isso lhe pudesse dar. Na mão direita uma pasta de couro castanha. O seu companheiro de viagem era baixo, anafadinho (anafadão, com uma barriga de respeito), vermelhusco (que simpática que eu estou hoje!), com um leve odor a vinho que não devia ser perfume, e cabelo muito negro. Dizia o primeiro:
- Pois estive com o teu primo. Aquilo se não é “do cu é das calças”. Também com aquela idade o que é que ele estava à espera?
- Já não estou com ele há 7 anos… 7 anos? Sim.. 7 anos. Mais ou menos isso.
- O nosso feitor também teve agora um problema. É alcoólico. Já era mas esteve mais de 10 anos sem beber e de um dia para o outro começou a beber. Ele estava a vir de Lisboa quando teve uma recaída e eu fui falar com o Pedro que é psiquiatra no Magalhães Lemos e disse-lhe: “Ó Pedro, o que é que se pode fazer?”, e ele disse-me “Olha, ou ele é tratado pelo privado e paga, ou entra pelo Centro de Saúde mais isso demora mais.” E eu falei com ele, mas como ele me disse que tinha família em Lisboa, quem sou eu, nem me meti mais. Se tem família em Lisboa, tem família em Lisboa. Mas o que foi pena este ano foi as alheiras!
- Ah era ele que fazia?
- Era.
- Nós este fim de semana também tivemos m problema lá para cima com as uvas. Um dia destes temos de ir lá.
- Agora no início do ano vou mudar de Audi, vou comprar o A5 e depois vamos fazer a rodagem. Temos é que levar alguém que não beba.
- Levamos o meu filho.
- Ahahahahahah!
- Ahahahahahah!
- Ele não bebe mesmo nada?
- Nada, só sumos e água.
- Vais deserdá-lo.
- Que remédio! Eu às vezes gostava de ser assim, de me controlar mais.
- Ó pá, só não fazes porque não queres. Olha o que te digo. Eu nesta vida só faço o que me dá prazer. Em termos de tudo.
[a olhar de lado para mim]
- Em termos de trabalho principalmente.
[Ufa, pensei]
- Pois… Aquela médica com quem falamos é a outra…
- É. É aquilo que se pode chamar de senhora. É uma senhora mesmo. E sabes que ela ficou admirada por eu saber latim. E eu disse-lhe: “Ó senhora doutora, então eu tinha lá em casa os calhamaços do meu avô e era aquilo que eu tinha para ler.” E eu acho essencial uma pessoa saber falar latim hoje em dia.
- É.
- Mas é! Se fores a ver a canalha hoje não sabe nada e o latim é essencial
[Próxima Paragem: Salgueiros]
- Vamos, somos nós.
- Vamos ao futebol.
- Mas era o que te dizia. Vou comprar o Audi. Agora não quero outra coisa. Estou é indeciso entre o A4 e o A5. Olha, a minha sogra comprou um Honda que parece um “ralhoto”. Ela está habituada a carros grandes e agora conduz um “ralhoto”.

4 Comments:

Blogger João Barbosa said...

Bolas! Ainda o procurador-geral da República se queixa de escutas... A menina é perigosíssima!

6/11/07 9:50 da manhã  
Blogger Belogue said...

Olhe que eu seria uma boa contratação da Procuradoria!

6/11/07 10:40 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

fabuloso. tanto o relato quanto as personagens.

6/11/07 7:14 da tarde  
Blogger Belogue said...

ana, só visto. e os gestos? eu não estava a gozar com ninguém, só gosto de observar. Nem estava a olhar directamente para eles. Mas quando começaram a falar um com o outro, era inevitável. É mais forte do que eu. Ó Deus, ó perfídia, ó infâmia, ó blasfémia a minha!

7/11/07 1:00 da manhã  

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