- ars longa, vita brevis -
hipócrates
O tríptico de Paula Rego é baseado na série de Hogarth, Marriage à la Mode, mas com uma reinterpretação adaptada à realidade portuguesa da pintora. No painel da esquerda, que podemos comparar com o Marriage A-la-Mode: 1. The Marriage Settlement de Hogarth, temos à esquerda duas mulheres que combinam o casamento a realizar entre a pequena rapariga de branco e o rapaz que se esconde atrás da sua mãe. Atrás decorre uma cena de sexo um pouco sinistra que pode manchar ou ser o prenúncio do casamento que ali se pretende arranjar. Em Hogarth combina-se o casamento entre o jovem que está no extremo esquerdo do quadro a olhar para o espelho e a jovem de branco. Pela janela vê-se a casa que está em construção para receber o jovem casal. Os pais de ambos combinam à mesa os termos da união e dois cães brincam no chão. Tal como em Paula Rego havia uma cena de sexo no plano de fundo do quadro, nesta obra é um quadro em si que provoca o arrepio: a cabeça da Medusa.
HogarthMarriage A-la-Mode: 1. The Marriage Settlement
1743
National Gallery, Londres
O segundo painel dedica-se à preparação da cerimónia com a mulher frente ao espelho enquanto o seu cabelo está a ser arranjado e devem ser partilhadas confidências com a outra personagem feminina. Há uma certa sátira nesta cena uma vez que se coloca a mulher na posição de objecto decorativo e passível de decoração. Já em Hogarth há uma diferença: a toilette é uma cena pintada após o casamento. O conde mais velho morre e é a jovem noiva, já mãe, quem faz o papel de condessa, negligenciando a criança. À volta da jovem, da sua higiene e manutenção da sua beleza move-se uma pequena corte de admiradores e candidatos a algo mais que estão constantemente a acenar e apelar para um conjunto de símbolos que apontam para a infidelidade, para a traição aos votos do casamento.
Hogarth
Marriage A-la-Mode: 4. The Toilette
1743
National Gallery, Londres
Para terminar, o terceiro painel do tríptico de Paula Rego mostra-nos a continuação da história iniciada no primeiro painel, mas 30 anos mais tarde; ou seja, Paula Rego conta em poucas “palavras” aquilo que Hogarth prefere contar por muitas. Paula Rego opta pelo conta visual e Hogarth pela novela. Obviamente o objectivo dos dois é diferente, uma vez que o peso que o casamento tinha para a sociedade do século XVIII e a crítica que se podia fazer expondo os maus exemplos desse contrato, não é igual ao peso do casamento no século XX. Por isso Paula Rego se demorou mais nos quadros sobre o aborto. Já relativamente a Hogarth e ao seu tempo, seria impensável que o fizesse. A pintora acaba então a história com o regresso do marido do Brasil, completamente depauperado, a sofrer no colo dela como uma pietá e não o contrário. Hogarth pinta a cena de maneira diferente, à medida de uma tragédia: a jovem suicida-se ao saber que o amante foi enforcado por ter cometido um assassínio, ingerindo veneno. Ao mesmo tempo o pai retira-lhe a aliança do dedo como prova do seu suicídio e no canto do quadro um cão esquelético e esfomeado ataca a fartura de comida que se encontra em cima da mesa.
Hogarth
Marriage A-la-Mode: 6. The Lady's Death
1743
National Gallery, Londres
Tate Gallery
2 Comments:
O primeiro é mais óbvio. Já os outros nem tanto. O segundo até causa dúvidas, mas...
tem de ver para além do óbvio, para além das semelhanças formais.
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