- ars longa, vita brevis -

hipócrates

antes e depois ou “o pintor sofrível do AM, o meu pintor de génio a seguir ao Caravaggio aborda aqui uma cena que como já vimos não era habitual nele. Trata-se de uma cena bíblica que ele apenas pinta quando inspirado por outros pintores como aconteceu no caso da Pietá e da parábola do Bom samaritano, ambos tendo como modelo os respectivos quadros de Delacroix. De Millet busca as cenas de campo, as respigadeiras, a ceifa, a sementeira, o descanso após o almoço… Mas é pela mão de Rembrandt, um protestante que Van Gogh volta aos temas religiosos. Obviamente que o tema escolhido é em si controverso, algo que se vê de imediato na denominação do quadro: “Jacob lutando contra o Anjo” e que de facto retrata uma passagem bíblica do Antigo Testamento, mais concretamente, do Génesis. Era neto de Abraão e tinha um irmão gémeo muito diferente de si fisicamente (o que me parece uma contradição, mas adiante). Diz a Bíblia que já desde o ventre materno lutavam um com o outro, mas foi Jacob quem conseguiu a progenitura comprando-a ao irmão. Desta feita conseguiu a bênção paterna fazendo-se passar pelo seu irmão, mas arrependeu-se que este viesse para matá-lo. Decidiu então rezar bastante, pedir a Deus que tal não acontecesse e foi durante essa maratona de oração que teve uma visão: dele aproximou-se um “homem” com quem começou a lutar. Lutaram toda a noite e a uma dada altura o homem toca em Jacob e este apercebe-se que tinha estado a lutar não com um homem qualquer, mas com um emissário de Deus. Arrepende-se e por isso acaba por ser escolhido por Deus para formar a nação de Israel. Van Gogh pinta não a luta, mas o anjo apenas, quase como se tratasse de uma remissão, uma vez que não há o elemento humano, somente o elemento espiritual. O quadro não está particularmente bonito nem parece que Van Gogh estivesse inspirado para o fazer; é que o elemento espiritual que deveria servir de consolo às almas está pintado numa mandorla azul, uma cor fria que cria o afastamento. Se o objectivo era provocar o respeito das hierarquias pela cor, conseguiu, mas não deixa de ser uma personagem muito afastada do suposto consolo da alma prometido e atribuído à religião”:

Rembrandt van Rijn's
Jacob and the Angel
Gemaldegalerie der Staatliche Museen


Van Gogh
Half Figure of an Angel
1889