- ars longa, vita brevis -

hipócrates

antes e depois ao cubo (este post é chato):

antes [1]

A semelhança entre estas duas histórias está na mãe; ou melhor, nas mães. Ceres, a deusa da agricultura e dos cereais como o trigo e a cevada (a palavra cereais vem de Ceres.), tinha uma filha de seu nome Proserpina juntamente com Júpiter. Convém também dizer que Júpiter era irmão de Ceres. Ceres era também uma das doze divindades do Olimpo devido à importância do trigo sob a forma de pão para as civilizações antigas. Um dia, enquanto a sua filha Proserpina colhia flores foi raptada por Plutão (que já não é planeta, mas na altura era deus) que casou com ela. Ceres, quando soube do desaparecimento da filha ficou desesperada, destruiu tudo o que a sua força fazia crescer e brotar da terra. Percorreu toda a Terra em busca da filha com um archote aceso em cada mão. Convencida pelo marido repôs a ordem nas culturas o que foi bem visto pelas classes que a tinham adoptado como deusa, principalmente as classes ligadas à terra e as mais pobres pois Ceres era abundância de alimento. Pediu pois a Plutão para lhe devolver a filha e este acedeu. Porém, como Proserpina tinha degustado um pouco de romã (fruto do amor), não podia abandonar a companhia do esposo. Ambos eram os responsáveis pelo Inferno, pela vida subterrânea; ou seja, pela entrada no reino dos mortos. Fez-se assim um acordo: metade do ano Proserpina vivia com o marido nos mistérios cnóticos (correspondendo este período ao Inverno), e no tempo restante permanecia com a mãe à superfície da Terra. Como Ceres era a deusa da agricultura, da vida que nasce, este período era denominado de Verão.

Rafael
Ceres
1617
Museu do Prado, Madrid

depois [1]

Nossa Senhora das Candeias é uma forma de culto à Virgem, tal como o são todas as “Nossas Senhoras”. A invocação desta Nossa Senhora tem origem nos primórdios do Cristianismo. Segundo a lei todos os filhos varões deveriam ser apresentados no templo quarenta dias após o nascimento e a mãe, que estava impura após ter dado à luz era purificada numa cerimónia especial. As senhoras que estão a ler não se riam porque se a criança nascida fosse menina o período de recuperação até ser purificada no templo era de 80 dias! Chama-se Nossa Senhora das Candeias à invocação do percurso percorrido por Maria até ao templo, sendo que este foi acompanhado por pessoas que levavam velas acessas. Uma outra relação com Ceres é que a festa de Nossa Senhora das Candeias se celebra no dia 2 de Fevereiro; ou seja, 40 dias após o nascimento do Menino Jesus e numa altura em que Proserpina voltava para os Infernos, daí a presença das luzes que iluminava Ceres no seu período sem a filha.

Ora, só há algo que eu não percebo aqui: se Cristo foi concebido sem pecado, Maria não estava impura, logo não necessitava dos 40 dias.

Nossa Senhora das Candeias com o Menino nos braços e uma vela na mão, numa imagem não muito elucidativa nem muito bonita

antes [2]

São Jerónimo tem o seu nome associado a um livro e Androcles também. Androcles de que falamos é anterior a São Jerónimo e aparece nas Fábulas de Esopo, a número 281. Vamos então à fábula abreviada: havia um escravo chamado Androcles que um dia teve a oportunidade de escapar do cativeiro e começou a correr pela floresta. Até que chegou a um lugar onde apareceu um leão que lhe pediu: “por favor ajuda-me. Tropecei e caí num espinho que está enterrado na minha garra. Está a sangrar e a doer”. Androcles viu a pata do leão, examinou-a, extraiu o espinho, curou a ferida. O leão convidou-o então para a sua cova para partilharem uma refeição. Porém, dias depois Androcles e o leão foram encontrados pelos donos de Androcles. Quando Androcles foi levado ao imperador este determinou que o escravo deveria entrar numa das famosas lutas entre homens e leões. Quando estava na arena e foi solto um leão, este começou a rugir e estava prestes a saltar para abocanhar a sua vítima. Mas à medida que o leão se foi aproximando da vítima reconheceu o seu benfeitor e em vez de o abocanhar, começou a lamber Androcles e pousou o focinho no seu regaço como se de um animal doméstico se tratasse. O imperador ficou muito surpreendido e acabou por libertar leão e escravo.

Baldassare Peruzzi
Androcles and The Lion
1530

depois [2]

O livro de Jerónimo é a Bíblia; foi este santo quem escreveu a primeira Bíblia em linguagem corrente para a época (vulgus), à qual se deu o nome de Vulgata. Era a língua da Igreja do Ocidente por oposição ao grego que era a língua da Igreja do Oriente. É um dos 4 doutores da Igreja, juntamente com Santo Ambrósio, Santo Agostinho de Hipona e São Gregório Magno. São Jerónimo é representado por um de três tipos iconográficos entretanto definidos: eremita, letrado ou doutor da Igreja. É também acompanhado por um chapéu de cardeal e um leão que alude a um episódio passado com o santo no deserto. Dizem as lendas que no deserto o santo tirou um espinho da pata de um leão que como forma de agradecimento permaneceu a seu lado domesticado.

Giovanni Bellini
St Jerome Reading in the Countryside
1480-85
National Gallery, London


antes [3]

Orfeu e Eurídice estavam noivos. Um dia estava ela a passear pelos prados quando foi mordida por uma serpente. Eurídice acabou por morrer e foi acolhida no Hades por Plutão e Proserpina que entretanto já presidiam a esse palácio que recolhe as almas mortas. Orfeu penou muito e tocou desconsolado a sua lira até que acabou por encantar Cérbero o cão de três cabeças e Caronte, o barqueiro de almas e encontrou o caminho para os Infernos. Foi de tal forma encantador que Plutão e Proserpina concordaram em deixar Eurídice regressar ao reino dos vivos, mas só sob a condição de o músico não olhar para trás até alcançar a luz do dia. Orfeu avançou e começou a caminhar para fora do Hades, seguido por Proserpina. No entanto, como estava desejoso de vê-la, acabou por cometer o erro de olhar para trás. Então Eurídice morreu pela segunda vez perante os olhos do noivo, desvanecendo-se. (Este episódio é contado nas “Metamorfoses” de Ovídio.)

Rubens
Orfeu e Eurídice
1636 - 1638
Museo del Prado, Madrid

depois [3]

A História de Lot cruza-se com esta devido à forma como a sua mulher desapareceu. Lot, personagem bíblica, sobrinho de Abraão vivia em Sodoma com a família. Como se sabe Sodoma e Gomorra eram cidades que ofendiam a Deus com as suas práticas pecaminosas e licenciosas. Deus enviou dois mensageiros a casa de Lot para o avisar de que iria destruir as duas cidades. Lot ainda tentou avisar os habitantes de Sodoma e Gomorra e foi enxovalhado por eles. Os anjos do Senhor ao verem isto levaram a família dali e advertiram-na de que deveria andar sempre, nunca olhar para trás nem se deter pelo caminho pois o Senhor ía fazer chover enxofre e fogo nas cidades. Lot, a mulher e as duas filhas partiram, mas a esposa de Lot não resistiu e olhou para trás (deve vir daí a tão propalada curiosidade feminina). A mulher de Lot foi imediatamente transformada em estátua de sal.

O que eu não compreendo é um outro episódio da vida de Lot. Julgando ser o único sobrevivente à face da Terra e habitando uma gruta, as filhas embebedaram-no e tiveram relações sexuais com o pai (como é que se diz isto em linguagem aceite pela Igreja? Espera, isto é Antigo Testamento, não interessa nada…) e engravidaram dele dando origem não à nova Humanidade, mas a duas tribos inimigas, os Moabitas e os Amonitas que se fixaram no lugar que actualmente é o Jordão.

Carpaccio
Lot's wife