- não vai mais vinho para essa mesa -
em aniversários há uma tradição involuntária e fora do vulgar: a pessoa menos idónea, por motivos circunstanciais ou não, fica com a faca de cortar o bolo. Ou é a mais alegre, ou a mais inconsequente, ou a mais triste, ou a que está a passar um momento difícil, ou a que tem algo para contar... Nunca ninguém se dá ao trabalho de deixar a faca com quem "vai conduzir" e que por isso seria pessoa segura. E vê-se entre uma conversa e outra, aquele membro perigoso a espadelar o cutelo no ar. Não se trata aqui da perigosidade do utensílio, que como se sabe, em caso de bolos de aniversário, não tem expressão, mas do tamanho que assusta e pode provocar estragos. Estou em crer que a Margot Mary Wendice (Grace Kelly) de "Dial M for murder" usou uma faca de cortar o bolo e deu no que se viu: um excelente filme.
Desta vez porém o filme foi outro:
- Então, não fiques assim... No hospital não há nenhum médico jeitoso? Só para arejar as vistas. Ou uma médica?
- Não e não quero pensar nisso. Eu quero o outro.
- Vá lá Magda, não fiques assim... Eu sei que são clichés, mas pensa bem se não terá sido melhor assim. Ele tem uma namorada, tem tempo para pensar no que quer e tu também. E afinal de contas, há uma coisa que podes sempre guardar contigo: ele gostou de ti. Ainda que tenha sido à maneira dele - não se pode ter tudo - mas gostou. Pelo menos por aquilo que me contaste. E nem muita gente tem isso. (blá-blá-blá)
- Mas eu não consigo perceber porque é que ele ficou com ela?
- Porque encontrou nela alguma coisa de que precisava.
- Mas eu dava-lhe tudo!
- Se calhar era esse o problema; a desproporção.
- Se calhar não me serve. Eu preciso de uma certeza.
- Queres uma certeza Magda?
- Quero!
- Vais morrer!
- Credo! Tu ajudas mesmo uma pessoa.
- É verdade. Vamos todos morrer. Por isso que tal aproveitares agora.
- Mas eu preciso de compreender.
- Há coisas que só percebemos mais tarde. E há coisas...
- Que nem percebemos? Que grande ajuda!
- É assim.
- Isso dito de alguém que...
- Pois, mas olha para o que digo e não olhes para o que eu faço. É um duplo conselho.
[nessa altura a Magda muito vermelha e em pranto pega na faca e com ela a fazer desenhos no ar diz:]
- Se eu pudesse, matava-a!
[alguém tirou o bolo da frente da Magda e abreviou a conversa.]
1 Comments:
desproporção
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