O CARTEIRO
People change
(...)Miséria do Corpo, tormento da Vontade, fastio da Inteligência — eis a Vida! E agora aos trinta e três anos a sua ocupação era bocejar, correr com os dedos desalentados a face pendida para nela palpar e apetecer a caveira. Foi então que o meu Príncipe começou a ler apaixonadamente, desde o «Ecclesiastes» até Schopenhauer, todos os líricos e todos os teóricos do Pessimismo. Nestas leituras encontrava a reconfortante comprovação de que o seu mal não era mesquinhamente «jacíntico» — mas grandiosamente resultante de uma Lei Universal. já há quatro mil anos, na remota Jerusalém, a Vida, mesmo nas suas delícias mais triunfais, se resumia em Ilusão. já o rei incomparável, de sapiência divina, sumo Vencedor, sumo Edificador, se enfastiava, bocejava, entre os despojos das suas conquistas, e os mármores novos dos seus templos, e as suas três mil concubinas, e as rainhas que subiam do fundo da Etiópia para que ele as fecundasse e no seu ventre depusesse um deus! Não há nada novo sob o Sol, e a eterna repetição das coisas é a eterna repetição dos males. Quanto mais se sabe mais se pena. E o justo como o perverso, nascidos do pó, em pó se tornam. Tudo tende ao pó efémero, em Jerusalém e em Paris! E ele, obscuro no 202, padecia por ser homem e por viver — como no seu trono de ouro, entre os seus quatro leões de ouro, o filho magnífico de David.(...)(in, A Cidade e as Serras)
Portrait of Emile Zola
1868
Musee d'Orsay, Paris
People change
(...)Miséria do Corpo, tormento da Vontade, fastio da Inteligência — eis a Vida! E agora aos trinta e três anos a sua ocupação era bocejar, correr com os dedos desalentados a face pendida para nela palpar e apetecer a caveira. Foi então que o meu Príncipe começou a ler apaixonadamente, desde o «Ecclesiastes» até Schopenhauer, todos os líricos e todos os teóricos do Pessimismo. Nestas leituras encontrava a reconfortante comprovação de que o seu mal não era mesquinhamente «jacíntico» — mas grandiosamente resultante de uma Lei Universal. já há quatro mil anos, na remota Jerusalém, a Vida, mesmo nas suas delícias mais triunfais, se resumia em Ilusão. já o rei incomparável, de sapiência divina, sumo Vencedor, sumo Edificador, se enfastiava, bocejava, entre os despojos das suas conquistas, e os mármores novos dos seus templos, e as suas três mil concubinas, e as rainhas que subiam do fundo da Etiópia para que ele as fecundasse e no seu ventre depusesse um deus! Não há nada novo sob o Sol, e a eterna repetição das coisas é a eterna repetição dos males. Quanto mais se sabe mais se pena. E o justo como o perverso, nascidos do pó, em pó se tornam. Tudo tende ao pó efémero, em Jerusalém e em Paris! E ele, obscuro no 202, padecia por ser homem e por viver — como no seu trono de ouro, entre os seus quatro leões de ouro, o filho magnífico de David.(...)
"With everything that we do, we desire more or less the end; we are impatient to be done with it and glad when it is finished. It is only the end in general, the end of all ends, that we wish, as a rule, to put off as long as possible."Arthur Schopenhauer (1788-1860) "Psychological Remarks"
(...)
– Oh! Jacinto, e quando nós andávamos por Paris com o Pessimismo às costas, a gemer que tudo era ilusão e dor? O meu Príncipe, que o cabrito tornara ainda mais alegre, trilhava a grandes passadas o soalho, enrolando o cigarro: – Oh! Que engenhosa besta, esse Schopenhauer! E a maior besta eu, que o sorvia, e que me desolava com sinceridade! E todavia, – continuava ele, remexendo a chávena – o Pessimismo é uma teoria bem consoladora para os que sofrem, porque desindividualiza o sofrimento, alarga-o até o tornar uma lei universal, a lei própria da Vida; portanto lhe tira o carácter pungente duma injustiça especial, cometida contra o sofredor por um Destino inimigo e faccioso! Realmente o nosso mal sobretudo nos amarga, quando contemplamos ou imaginamos o bem do nosso vizinho: – porque nos sentimos escolhidos e destacados para a infelicidade, podendo, como ele, ter nascido para o Fortuna. Quem se queixaria de ser coxo – se toda a humanidade coxeasse? E quais não seriam os urros, e a furiosa revolta do homem envolto na neve e friagem e borrasca dum Inverno especial, organizado nos Céus para o envolver a ele unicamente – enquanto em redor, toda a humanidade se movesse na luminosa benignidade duma Primavera? (...)
– Oh! Jacinto, e quando nós andávamos por Paris com o Pessimismo às costas, a gemer que tudo era ilusão e dor? O meu Príncipe, que o cabrito tornara ainda mais alegre, trilhava a grandes passadas o soalho, enrolando o cigarro: – Oh! Que engenhosa besta, esse Schopenhauer! E a maior besta eu, que o sorvia, e que me desolava com sinceridade! E todavia, – continuava ele, remexendo a chávena – o Pessimismo é uma teoria bem consoladora para os que sofrem, porque desindividualiza o sofrimento, alarga-o até o tornar uma lei universal, a lei própria da Vida; portanto lhe tira o carácter pungente duma injustiça especial, cometida contra o sofredor por um Destino inimigo e faccioso! Realmente o nosso mal sobretudo nos amarga, quando contemplamos ou imaginamos o bem do nosso vizinho: – porque nos sentimos escolhidos e destacados para a infelicidade, podendo, como ele, ter nascido para o Fortuna. Quem se queixaria de ser coxo – se toda a humanidade coxeasse? E quais não seriam os urros, e a furiosa revolta do homem envolto na neve e friagem e borrasca dum Inverno especial, organizado nos Céus para o envolver a ele unicamente – enquanto em redor, toda a humanidade se movesse na luminosa benignidade duma Primavera? (...)
(in, A Cidade e as Serras)
Manet
Portrait of Emile Zola
1868
Musee d'Orsay, Paris
«Je n'ai qu'une passion, celle de la lumière, au nom de l'humanité qui a tant souffert et qui a droit au bonheur.» Emile Zola, "J'acuse!"
2 Comments:
et moi, j'ai qu'une seule chose à dire: Vous êtes magnifique ma puce!!!!
Bonne anné et excusez moi pour l'absence des nouvelles!!
à la suite,
és brilhante!
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