segunda-feira, maio 13, 2019

- o carteiro -

as linhas da beleza

em 2004 o Man Booker Prize foi atribuído a um livro cujo título é "A Linha da Beleza". Por ser uma excelente leitura, não vou divulgar muito. Direi apenas que o personagem principal (Nick Guest - o "Guest" não é casual), funda com um dos seus amantes uma revista dedicada à Arte, Arquitectura, Literatura… de nome Ogee. Ogee (não confundir com orgy, embora também pudesse ser tal é a quantidade de cenas de sexo e consumo de drogas no referido livro. A propósito, o autor está em Portugal no/na LEV) é também o nome da "curva da beleza", ou da "linha da beleza" enunciada por Hogarth no seu livro "A análise da beleza". Tratava-se de um tratado que pretendia compilar as várias concepções do gosto. Hogarth foi ridicularizado, mas muito resumidamente o que Hogarth diz é que há "uma linha específica a que adequadamente podemos chamar de linha da beleza". Em 1753, neste seu livro, Hogarth refere que a linha perfeita, a linha da beleza, é uma linha ligeiramente curva e que a sua construção parte de qualquer coisa como isto: uma linha diagonal e duas horizontais na extremidade. Na ligação entre a diagonal e as horizontais, desenha-se uma pequena curva, como que boleando as arestas. A linha não é um "S" tradicional, mas um "S" alongado.



Esta curva, que Hogarth considera o paradigma da beleza está presente nos arcos canopiais, nas ogivas - daí o nome ogee - do gótico, embora estivesse presente já antes, na arquitectura clássica (nas cornijas).  No caso dos arcos ogivais, a "linha da beleza" surge em confronto:
No entanto, as cornijas clássicas, como sabemos não são estanques; ou seja, o que define a ordem arquitectónica é tudo, da base ao capitel. E as cornijas têm as suas variações. Basta ver aqui. Este ponto é para mim importante, uma vez que esta "linha da beleza" não é sempre a mesma. Para Hogarth, é um "s" alongado, maneirista, enquanto que para o gótico é mais sinuosa. Eu acho que uma e outra não são a mesma coisa. Basta ver o auto-retrato do artista com o seu cão e reparar na "linha da beleza" no canto inferior esquerdo.  Hogarth não iria pintá-la e designá-la assim que desejasse que esta linha da beleza fosse mais rechonchuda:





















William Hogarth
The Painter and His Pug
1745
Tate Britain, Londres





 A caligrafia usa muito esta linha da beleza. Atente-se, por exemplo no seguinte:















Em quase todas estas letras manuscritas encontramos a "linha da beleza", aquela serpetinata de que Hogarth falava e que os gregos já conheciam e praticavam, mais na escultura do que na arquitectura (quer-me parecer) sob a forma de contraposto, e que o Renascimento transformou.






















E agora que temos um corpo nu acima, voltamos a Nick Guest e à "linha da beleza". Para Nick Guest a linha da beleza poderia ser vista no fundo das costas dos seus amantes, naquele preciso ponto em que a coluna revela uma nádega:
"O seu coração desatou a martelar quando chegou à curva ao fundo das costas; tentou dar às suas carícias um tom de massagem, um toque de método, quando as suas mãos se abeiraram da curva ascendente das nádegas de Toby, da cintura baixa e lassa do seu calção de banho".
(HOLLINGHURST, Alan. "A Linha da Beleza". Porto: Asa Editores, 2004. pág. 369)




A mim, não sei porquê, faz-me lembrar isto:
















Man Ray
Ingre's Violin
1924