- o carteiro -
porque hoje é feriado
é dia de Corpo de Deus! Aleluia, Aleluia. (ah, espera, isso é na Páscoa).
O pessoal - quem pode - não trabalha e deve agradece-lo a alguém, ou pelo menos saber porque razão é feriado. É que no Natal, a gente bem sabe: "nasceu Jesus"; na Páscoa (essa é fácil!), morreu Jesus. Mas Corpo de Deus? E nós a acharmos que Deus não tinha corpo... Se Deus tiver corpo este será como o nosso, pois nos Génesis (Génesis 1: 27) diz que Deus criou-nos à sua imagem e semelhança. Por isso, se eu sou parecido com Deus, ele é parecido comigo! Deve ter também um rabiosque pois tem um trono (referido no Livro do Apocalipse 4: 1-11) e é sabido que um rabiosque é essencial para sentar. Imaginamos Deus como um velho de barbas brancas, com uma túnica também branca, sandálias e sobrancelhas hirsutas. E ele pode de facto ter essa forma nas suas Teofanias. Ele pode aparecer-nos sob qualquer forma e, se nos portarmos mesmo bem, não nos aparece sob forma nenhuma! Mas se temos esta ideia é porque já vimos Deus representado assim. Lembremos "A Criação do Homem" de Miguel Ângelo no tecto da Sistina. E se os artistas representavam Deus desta forma, era porque existia uma fonte. Essa fonte era, mais uma vez, o Livro do Apocalipse:
"Voltei-me para ver de quem era a voz que me falava. E, ao voltar-me, vi sete candelabros de ouro; no meio dos candelabros, vi alguém com aparência humana; estava vestido de uma túnica comprida até aos pés e cingido com um cinto de ouro em torno do peito; a sua cabeça e os seus cabelos eram brancos, como a brancura da lã e da neve; os seus olhos eram como uma chama de fogo; os seus pés assemelhavam-se ao bronze incandescente numa forja, e a sua voz era como o rumor de águas caudalosas; Ele tinha na mão direita sete estrelas e da sua boca saía uma aguda espada de dois gumes; o seu rosto era como o Sol resplandecente com toda a sua força" (Apocalipse 1: 12-16)
e o livro de Daniel:
"Continuava eu a olhar, até que foram preparados uns tronos, e um Ancião sentou-se. Branco como a neve era o seu vestuário, e os cabelos da cabeça eram como de lã pura; o trono era feito de chamas, com rodas de fogo flamejante" (Daniel 7: 9)
Infelizmente - e antes que vocês pensem que é por isso que se festeja este feriado - devo dizer-vos que o feriado do Corpo de Deus está relacionado com uma crença, um pilar do Cristianismo e não tem nada a ver com a forma do corpo de Deus ou se este tem forma sequer. Essa é uma questão para meninos. Para o Cristianismo, Deus é tão... "imenso", que o Homem não tem capacidade para entendê-lo. Lá está, é aquela velha história: Deus é tão grande, que a Luz é uma sombra de Deus.
Quando na eucaristia dizemos o Creio (Creio em um só Deus, Pai todo poderoso, Criador do Céu e da Terra, e de todas as coisas visíveis e invisíveis...) estamos a afirmar que cremos em várias questões inalienáveis do "ser cristão": acreditar que Jesus é filho de Deus, que nasceu de uma Virgem que viveu e morreu por nós, que ressuscitou ao terceiro dia após a morte e que ele foi "gerado e não criado, consubstancial ao Pai". E eis-nos perante a razão para termos feriado. No século XIII uma freira belga de seu nome Santa Juliana do Monte Carvillon, Liége sugeriu, primeiro ao seu bispo e depois ao Papa Urbano IV, e após uma visão, que fosse instituído um dia para um dos mais importantes sacramentos: o sacramento da Eucaristia. Isto prende-se com várias questões que não são somente de crença. Por um lado, instituir este dia e instituir um dia para celebrar a eucaristia, era uma forma de debelar os focos de heresia que iam surgindo. Por outro era uma forma de, na secretaria, dar a entender ser esta uma vontade divina (uma vez que todas as outras já haviam sido satisfeitas!...) e assim aproximar o crente de Deus. Se o crente pensasse "Deus quer isto", isso queria dizer que Deus estava atento aos crentes, estava próximo deles. Hoje em dia, com todo o ritual religioso estabelecido e fixado, não podíamos estar mais longe de Deus. Ou ele de nós. Precisamos pois de novos feriados que festejem coisas ainda não festejadas!
A Eucaristia é de facto importante para o cristão pois é nela que não só afirmamos a transubstanciação (transformação do corpo e sangue de Jesus em pão e vinho), como também afirmamos a ideia de Jesus ser consubstancial a Deus; ou seja: um e outro são o mesmo embora sejam simultaneamente pessoas diferentes. (homoousios por oposição a homoiousios).
A ideia de Santa Juliana foi bem acolhida, mas a verdade é que pouco tempo após ter sido instituído o dia de Corpus Christi - dia de Corpo de Deus - tanto o Papa como a freira acabam por falecer e o dia - e homenagem caíram um pouco no esquecimento. Só no século XIV as festividades foram retomadas tendo chegado até ao século XVIII com grande élan e depois tornando-se, como tudo o que tem de sobreviver no tempo, sistematizadas. E aqui estamos nós, a gozar o Corpo de Cristo como bons pecadores que somos.
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home