segunda-feira, maio 07, 2018

- ars longa, vita brevis -
hipócrates

antes e depois ou como "o prometido é devido ou como este post é mesmo dos bons, acho eu...
quotidiano
pois cá estamos nós... o antes é do Bernini. Posto de modo muito simples, é a escultura de um elefante que carrega um obelisco. O projecto já existia, não para esta encomenda em específico, mas para outra que entretanto acabou por ficar sem efeito. Bernini terá ido buscar inspiração para esta composição ao Hypnerotomachia Poliphili, um livro do século XV, XVI, cujo autor é ainda uma incógnita e cujas ilustrações são igualmente estranhas. A história fala de um amor não correspondido entre Poliphio que ama Polia. Num sonho, ele procura alcança-la e nesse sonho - como em todos os sonhos - tudo acontece sem grande lógica: há crítica arquitectónica, referências a Ovídio, erotismo. enfim... de tudo. É por isso que as ilustrações são igualmente estranhas. Entre elas, encontramos aquele que terá sido o modelo para Bernini projectar o elefante que vemos abaixo. Ora bem, havia em Roma um obelisco egípcio encontrado aquando de umas escavações. O Cardeal Francesco Barberini teve ideia de colocar o obelisco junto ao Palácio Barberini, mas a coisa acabou por não se concretizar. Foi o Papa Alexandre VII que fez renascer o projecto. Havia outros desenhos para o suporte do obelisco, mas Bernini modificou um pouco o já existente, não só através da adição de uma base capaz de suportar todo o peso, como também dando nova expressão ao elefante em si. Deu-lhe um ar mais amigável, mas por outro lado, levantou levemente a cauda do animal - talvez para se ver o anus, conta uma anedota que circula desde o século XVII - algo que não existia nos desenhos preparatórios nem na maquete. As outras opções embora válidas (Hércules, por exemplo era uma das propostas) não apresentavam as mais valias do elefante. Tal como se pode ler nas inscrição na base da escultura, o elefante foi o animal escolhido por causa da sua força e o obelisco sobre ele era símbolo da sabedoria divina. (o obelisco era um símbolo do poder terreno dos faraós e por isso em nada se aproxima do poder divino que o Cristianismo lhe confere quando se apropria dos símbolos que encontra).

Voltamos à parte do incunábulo Hypnerotomachia Poliphili que, como referi, se desenrola como num sonho. Ora isto tem muito em comum com o universo surrealista. Os Surrealistas usavam diferentes métodos para alterar a consciência, ou pelo menos para obter imagens alteradas da consciência, como por exemplo a escrita automática, ou o cadavre exquis. Os sonhos eram também importantes e por isso o Surrealismo vai buscar parte das teorias de Freud no que aos sonhos diz respeito. A parte que o Surrealismo foi buscar é a mais conhecida e diz que os sonhos são uma expressão dos desejos inconscientes. E tal como no sonho do Hypnerotomachia Poliphili, em que um elefante pode carregar no dorso um obelisco de toneladas, também no Surrealismo um elefante com um obelisco no dorso pode caminhar sobre delicadas patas de girafa num cenário desconcertante. E Dalí fê-lo não uma, mas duas vezes tal devia ser admiração pelo elefante do Bernini. Ou pelo original no Hypnerotomachia Poliphili.


Bernini
Elephant obelisk
1667
Maria Sopra Minerva, Roma


Salvador Dali
Dream Caused by the Flight of a Bee Around a Pomegranate a Second Before Awakening
1944
Thyssen-Bornemisza, Madrid


Beijinhos, cuidado com as mudanças de temperatura, com as alergias e não se esqueçam de ligar o Ezalo durante a noite.

4 Comments:

Anonymous Anónimo said...



Leitura fácil

GARRAS «=» GALA

Sublimação???

9/5/18 9:06 da manhã  
Blogger Belogue said...

Caro anónimo

Boa noite, como está? Confesso que o que me interessa menos neste post é/são os quadros do Dalí, bem como o Dalí em si e a Gala. Aliás, de todos os surrealistas, o Dalí é para mim o pior representante da corrente. A notícia do seu talento foi manifestamente um exagero. Beneficiou de uma aura que se criou à volta dele - e que ele alimentou -, mas pouco ou nada trouxe para o surrealismo ou para a história da Arte. Outros também beneficiaram do estatuto de Pop-Stars (lembro-me do Duchamp que defendia, como o Beuys, que todos podiam ser artistas, só que no caso do Duchamp, ser artista era ter um certo estatuto). Mas fizeram mais por aquilo que defendiam do que o Dalí. O Dalí fez um tal marketing pessoal que devia ter sido pai do Warhol. (desculpe se sou muito opinativa. nem sei se isto que escrevi faz sentido ou é um sacrilégio)

Lembro uma piada/anedota/história que uma vez li e que diz mais ou menos isto:
um dia, um director de uma prisão diz aos seus reclusos que o seu bom comportamento pode granjear boas coisas. O director pensa presenteá-los com um Dalí no refeitório (acho que era no refeitório), ao que os reclusos responderam que já lhes bastava a pena que estavam a cumprir...

10/5/18 11:17 da tarde  
Blogger Belogue said...

Um surrealista a sério:

Man Ray (e a musa Lee Miller). Ela era modelo e ele fotógrafo. Conheceram-se ela ficou hipnotizada por ele, pela sua figura. Tornaram-se inseparáveis. Alguns historiadores dizem que ela criou sozinha as fotografias polarizadas; outros dizem que foi um trabalho conjunto. Não sei, sei que faziam uma boa dupla. Mas como sempre o seu (dela) trabalho foi secundarizado pela carreira dele e quando ele percebeu o quão boa profissional ela era, pediu-lhe para assentar e tornar-se sua esposa. A coisa não correu bem: houve uma discussão, Ray expulsou Miller de casa e ela, num acto de vingança (pois sabia que ele iria ficar devastado), compra um bilhete de barco para Nova Iorque (nessa altura viviam em Paris). Ele ficou deprimido e durante dois anos pintou um quadro, cujo nome não sei, dedicado somente aos lábios dela.
Miller tornou-se correspondente de Guerra, uma das primeiras a entrar em Dachau após a libertação e sim, a tomar banho na banheira de Hitler horas após este ter cometido suicídio. Man Ray deve ter ficado com aquela mancha no peito que os grandes amores deixam. Reeencontraram-se anos mais tarde. Na última exposição, em vida, de Man Ray, foi Lee Miller quem empurrou a sua cadeira de rodas.

uma boa noite e até breve!

10/5/18 11:33 da tarde  
Anonymous Anónimo said...


Bom dia Beluga

Também medito pouco sobre os surrealistas e por isso pouco tenho a dizer sobre eles. Para falar sobre a pintura de Dali teria que a copiar, isto é,a interpretação "pseudo-psicanalitica" da arte só me interessa a este nível, para dar ares. E o seu post tem de facto coisas mais interessantes: Bernini( interessante) e sobretudo a arte egípcia que parece não ter outra equivalente
Piada por piada deixo-lhe também uma: Amor , amor, é usar um bigode extravagante para disfarçar o buço da musa.
Fique bem

11/5/18 5:30 da manhã  

Enviar um comentário

<< Home