terça-feira, dezembro 06, 2016

- o carteiro -

esta fachada da Igreja da Madre de Deus em Macau é um tratado iconográfico. O que existe da Igreja é apenas isto, uma imagem que figura nos facebook's de quem já lá foi, já que é uma imagem icónica:












A Igreja, antiga igreja de que hoje só subsiste a fachada, foi destruída por dois incêndios e um tufão. É chamada de Igreja de São Paulo, nas antigas ruínas da Igreja da Madre de Deus. Estas designações são importantes já que tanto São Paulo como a Virgem (a Virgem pode ser considerada Madre de Deus, caso a considerem Christotokos ou Theotokos. Os ortodoxos consideram-na Teothokos) estão fortemente representados na fachada, mais ela que eles. Esta é de facto uma lição de iconografia e por isso não se pense, nunca se pense, mesmo nos casos mais regionais, mais locais, que a colocação deste ou daquele elemento é casual. Tudo é pensado, mesmo que seja para dar resposta a uma exigência do mecenas ou copiado de modelos mais ou menos conhecidos.
Comecemos por baixo, que é por onde se deve começar:
A fachada apresenta-se desenvolvida em três bandas horizontais. Na primeira, a de baixo, o que se salienta é a colunata jónica.













[Para quem não sabe, as ordens arquitetónicas gregas - grosso modo: o formato das colunas gregas - podiam ser de três tipos: dórica (com coluna levemente bojuda, apertada no topo junto ao capitel e capitel simples); jónica, mais feminina (caracterizada por coluna estriada, direita e capitel em volutas confrontadas); e coríntia (cujo capitel se caracteriza pelas folhas de acanto). Os romanos acrescentaram a ordem compósita (cujo capitel é uma combinação de folhas de acanto e volutas). Esta questão é para mim complexa, mas no geral, podemos dizer que o que distingue as ordens arquitectónicas é o capitel e a base.]

A colunata jónica ( que aqui surge com fuste liso) apresenta-se no esquema 2-3-3-2 (ou ABBA, não o grupo, mas o tipo de rima). Temos duas colunas - abertura lateral - três colunas - abertura principal com inscrição "MATER DEI" - três colunas - abertura lateral - duas colunas. Enquanto a abertura principal apresenta inscrição acima referida, nas aberturas laterais pode ler-se o anagrama "IHS" que quer dizer: "IESUS HOMINUM SALVADOR".






























A segunda faixa/banda/registo, é o registo horizontal da ordem coríntia














Tal como a primeira banda horizontal, também esta possui três aberturas, na mesma orientação do que aquelas. Nota-se novamente a presença da colunata no mesmo esquema de baixo, mas desta vez de ordem coríntia; ou seja, com capitel em folhas de acanto.













O que mais se destaca neste segundo registo horizontal é a presença de esculturas relativas às figuras de: Beato Francisco de Bórgia (a vermelho); Santo Inácio de Loiola (a azul); São Francisco Xavier (a verde) e Beato Luís Gonzaga (a amarelo):





































































Segue-se o terceiro e último registo de ordem compósita



















E o que vemos neste terceiro registo é um corpo central com seis colunas compósitas que emolduram o nicho central (com Nossa Senhora), bem como elementos decorativos que parecem aleatórios, mas não são. Para além deste corpo central vemos suas volutas que ligam as laterais ao corpo central e quatro obeliscos encimados por esferas (dois de cada lado). A imagem da Virgem está rodeada de anjos em várias poses: como se estivessem a tocar instrumentos musicais, em adoração, a insensar (a vermelho). Este nicho central tem depois, à sua esquerda e à sua direita, várias imagens relacionadas com as litanias da Virgem e os seus símbolos, como a Fonte Selada (a azul), o Cipreste de Sião (a verde), a Porta Aberta (a amarelo), a Porta Fechada (a branco), a Nave da Igreja (a roxo), a Virgem Apocalíptica (a cinzento/preto). No extremos temos representações do dragão ferido, símbolo do pecado, com a inscrição "O diabo tenta o Homem para praticar o mal"; e o esqueleto, símbolo da morte com a inscrição "A pessoa que se lembra da morte é sem pecado".






















Nicho central (vermelho)


















Fonte Selada (azul)


















Cipreste de Sião (verde)















Porta Aberta (amarelo)














Porta Fechada (branco)


















Nave da Igreja (a roxo)


















Virgem Apocalíptica (a preto)











o diabo (a tracejado)












a morte (a tracejado)

Tudo isto é coroado por uma construção em forma triangular, como se de um frontão se tratasse, com quatro colunas compósitas que enquadram o nicho central no qual podemos ver Cristo Salvador, rodeado dos símbolos da sua Paixão (ou Arma Christi). São elas: a corda (a azul), a cruz (a verde), a lança, martelo, turquês, esponja, coroa de espinhos e o azorrague (a amarelo); o estandarte, a cana verde, os cravos e a escada (a roxo) a coluna (a branco) e as varas (a preto):





































Cristo Salvador
















Corda (a azul)
















cruz (a verde)
















Lança, Martelo, coroa de espinhos, turquês, esponja e azorrague (a amarelo)
















Escada, cana verde, estandarte, cravos (a roxo)
















Coluna (a branco)

















as varas (a preto)

Tudo isto termina com São Pedro (à esquerda), São Paulo (à direita), e a Pomba do Espírito Santo (rodeada do Sol e da Lua):












































Resumindo e concluindo: a Mãe de Cristo Salvador, com a ajuda dos seus representantes na Terra (santos e beatos) e com a ajuda do próprio Cristo que morreu por nós na cruz através de instrumentos de martírio e à mão dos homens, vence a morte e o pecado e leva a todos, dia e noite, para todo o sempre, a graça do Espírito Santo.

Até à próxima.