segunda-feira, novembro 28, 2016

- ars longa, vita brevis -
hipócrates

Olá leitores do belogue, como estão? Hoje trago um post que não parece grande coisa, a avaliar pela imagem, mas é. O que é que vocês acham que vêem? Uma jarra com flores, um arranjo floral, responderão... Não, o que vocês vêem é uma natureza morta. As naturezas mortas eram uma temática que estava no último lugar das temáticas em pintura. Eram mais apreciadas e consideradas as pinturas religiosas e históricas, depois as cenas de género, os retratos, as paisagens e no final, as naturezas mortas. Mais do que pinturas de flores (ou de frutos, ou de animais mortos, ou de instrumentos musicais com caveiras e flores, ou restos de uma refeição) as naturezas-mortas eram uma lembrança constante a crentes e não crentes - caso os houvesse - daquela máxima do Eclesiastes (1: 2): "vaidade das vaidades, tudo é vaidade". Para melhor compreenderem uso outra frase, esta do Génesis (3: 19): "lembra-te ó homem que és pó, e ao pó hás-de voltar". Flores e frutos duram pouco tempo: são como a juventude e a beleza. Os instrumentos musicais e espelhos alertam-nos para transitoriedade da vida, a sua irrelevância, a vaidade e tudo o que é prática mundana, própria da sociedade secular, mas nada apropriada para a vida além da morte. Caso a representação possua uma caveira e/ou outros símbolos associados com a morte trata-se de uma vanitas.

  















Jan Brueghel, the Elder
 Bouquet of Flowers
1609-15
Staatliche Museen, Berlim


Sempre houve representações de naturezas-mortas. Primeiro não tinham esse nome (nos frescos romanos talvez nem tivessem nenhum nome), e só com o século XVII é que se afirmaram como estilo autónomo depois das representações bem sucedidas de Chardin. Bem, no século XVI Vasari falava em "cosa-naturale" e no século XVIII em França utilizam-se as expressões "nature inanimée" ou "nature reposé". Mas é talvez em Espanha e na Flandres que no século XVII surgem os termos que nos interessam: em Espanha as pinturas de flores são chamadas de "Floreros" (assim como havia os "bodegón" que eram, no fundo, cenas de cozinha) e na Flandres o termo é, traduzido, "Flores, Frutos e Bouquets". A representação de flores pode ser considerada apenas uma forma de o artista mostrar o seu virtuosismo. No caso do Brueghel, que tantas vezes pintou as temas, a justificação só pode ser mesmo o virtuosismo e passo a explicar porquê. Tomei como exemplo esta natureza-morta do autor. Como não sou uma especialista em flores identifiquei apenas aquelas que consegui identificar e que se encontram marcadas com números na imagem. Assim temos:






















1 - Tulipas (a minha flor preferida)
As tulipas foram introduzidas na Europa, vindas da Ásia, por volta de 1600. Na Holanda, os bolbos de tulipas eram mais caros que os quadros a representá-las, o que não admira que se fale de uma tulipamania que levou ao suicídio de pessoas que se endividavam para comprar estas plantas. Por volta de 1630, no auge da tulipamania na Holanda, um bolbo de uma espécie de tulipa excepcional podia custar mais que uma casa.
As tulipas florescem hoje quase todo o ano. Fiz muita pesquisa e obtive resultados diferentes, mas no geral há uma unanimidade no que concerne ao meses compreendidos entre Março e Maio como os mais comuns para o seu florescimento.

2 - Lírios
Os têm origem no Hemisfério Norte e já em frescos em Creta era possível ver representações desta flor. O seu significado religioso é dos mais importantes, quando comparado com a maior parte das flores: é símbolo da Virgem Maria, da sua pureza e virgindade. Encontrei 20 versículos na Bíblia que falam de lírios, principalmente nos Cânticos. 
Os lírios florescem em Junho

3 -Jasmim
O Jasmim é originário da China, mas foi introduzido na Europa no século XVI. O jasmim está associado à sedução, seja enquanto chá, seja enquanto essência. Floresce entre Junho e Setembro.

4 - Fritillaria
Esta flor foi para mim uma descoberta, já que quando a vi no quadro pensei que fosse somente uma tulipa que estava num dia menos bom. Ora tenho a impressão, pelo que li, que esta flor é originária na Ásia, onde é utilizada com fins medicinais. Uma vez que é originária da Ásia, calculo que tenha chegado à Europa após os contactos europeus com aquela zona do globo. Estou a pensar aí por volta do século XIV, que foi quando os europeus conheceram a corte chinesa/mongol. Desconheço quando floresce, mas isto não é preocupante para o que pretendo mostrar.

5 - Peónias
As peónias são flores lindas. Não é que perceba muito de flores, mas sei do que gosto e gosto de peónias. Não tanto como gosto de tulipas, mas gosto. As peónias são originárias da China (a peónia é, aliás, a flor oficial da China), Mongólia, Coreia e Japão e florescem entre Junho e Julho. Não sei se há referência bíblica à Peónia, mas sei que há uma referência mais antiga: a Ilíada de Homero! A Peónia floresce na Primavera.

6 - Íris
Esta flor, ora bem... foi-me difícil decidir que flor poderia ser. Vi muitas espécies até encontrar uma que fosse parecida com a imagem. Após muito andar, percebi que havia grande probabilidade de se tratar da íris. Também queria que tivessem em atenção que hoje as espécies estão muito cruzadas e que com as estufas é possível ter estas flores quase todo o ano. A íria, por exemplo, é também referida como lírio, mas há uma diferença entre o lírio indicado pelo número 2 e esta flor. A íris é originária do continente europeu e pode ser colhida entre a Primavera e o Verão.

7 - Hidrangeas 
Estava a olhar para o quadro e a tentar identificar flores quando percebi que estas flores azuis e pequeninas faziam parte de um conjunto, a uma flor flor só cujo nome é hidrangea. Vejam lá se não tenho razão:

















As hidrangeas têm origem no Extremo Oriente e florescem entre a Primavera e o Outono.

Vamos então agora ao que interessa:


Analisando a tabela acima, feita tendo em conta os meses/épocas de florescimento de cada uma das flores, é evidente que muito dificilmente seria possível tê-las disponíveis ao mesmo tempo. O quadro de Brueghel, assim como de muitos outros quer se trate da pintura de flores, frutos, peixes... é uma composição simbólica. Brueghel procura transmitir uma ideia com fidelidade mimética, mas não fidelidade ao real. Mostra o seu virtuosismo que ofusca e se sobrepõe aos factos. E o que nos dizem os factos: que estas flores não podiam ter estado de facto todas na mesma jarra pois o seu florescimento dá-se em alturas diferentes.