terça-feira, abril 12, 2016

- ars longa, vita brevis -
Hipócrates
 
antes e depois ou "sinto-me tão cansada... até sonho que estou a sonhar e que alguém me acorda. e no sonho é tão difícil estar acordada... há um ano fiz umas análises e o médico disse que uns valores na tiróide estavam fora dos parâmetros, mas que era normal. mas eu sinto dores no corpo e cansaço... não deve ser normal. bem, mas não era sobre isso que queria falar. devo ter ficado embalada com a música dos Beatles e deu-me uma quebra. Quando era uma jovem adolescente, aí dos meus 13, 14 anos, fui com os meus padrinhos e primos para o Parque de Campismo da Gelfa, em Vila Praia de Âncora. E ouvi músicas dos Beatles vezes sem conta. Como a minha prima era pequenina, também ouvi a cassete da Xuxa de trás para a frente: a música do pão, do índio... enfim, eu tinha alguma vergonha, quando via os surfistas a passar lá pelo parque. estava naquela fase...
 
mas não era mesmo isto que queria escrever. trago-vos, novamente, o Van Gogh. Porque o Van Gogh é assim como a cautela e os caldos de galinha, mas para melhor; ou seja, nunca é demais. o que eu gosto no Van Gogh é uma espécie de singeleza. não sei se esta palavra existe, mas devia existir. Não é a simplicidade, é mais do que isso. É ao mesmo tempo profundo, belo, simples. Dizem que o Impressionismo é a Arte da Felicidade, como se isso fosse mau. O Van Gogh não foi um impressionista, foi um pós-impressionista: não teve de facto a paleta enjoativa do Renoir, nem os divertimentos simpáticos da burguesia como o Degas, nem o exotismo do Gauguin. Era mais sorumbático, mais ensimesmado. Não quero falar da loucura nem da orelha cortada, mas daquela espécie de misticismo sem religião que vemos nos quadros dele. Lembro-me de ter visto os Girassóis, duas vezes. na primeira, num dia de semana do mês de Março, sem ninguém à volta a respirar para cima de mim; na segunda num fim-de-semana de Agosto... nesta segunda vez, ouvi uma rapariga dizer para outra: "não acho isto nada bonito" (em inglês). Acho que elas não perceberam como o Van Gogh, os Girassóis em especial, nos coloca em harmonia com a natureza, de bem connosco. Na primeira vez que vi os girassóis, sozinha, senti-me me paz. Não, não é nada dessa cena de auto-ajuda. Senti paz pois o mundo corria na sua ordem: os girassóis eram de facto belos e não apenas uma hiperbolização dos média, dos livros, do senso comum.

 











A notícia da loucura de Van Gogh foi um exagero. É um exagero. Quando olhamos para o quadro Starry Night pensamos: chiça, o tipo andava a dar-lhe na morfina, no ópio! Mas é tudo tão mais simples... No século XIX houve um interesse muito grande pela ciência. Já sei, no século XVIII também. Mas este era diferente porque surgiu num período de prosperidade, num período em que o mundo tinha espaço para o conhecimento, em que livros e quadros eram discutidos nos jornais, nas tertúlias. Os anos que antecederam a realização deste quadro foram de descobertas incríveis: com as máquinas fotográficas é possível, e pela primeira vez, fotografar a aura solar, durante um eclipse do sol. A tecnologia associada à fotografia auxiliou esta vontade de captar o espaço, o céu. As imagens das primeiras nebulosas devem ser desta altura. E são essas imagens que Van Gogh deverá ter usado para fazer o céu delirante de Starry Night, um céu que esmaga a paisagem com o casario, tão diferente deste. O céu tem pinceladas, amplas com ritmo e forma (geralmente redonda); enquanto o casaria está pintado como um vitral, com linhas negras a separar as cores, com horizontais e verticais.
Era isto que tinha para vos mostrar. Vou para dentro. beijos e abraços, portem-se bem, façam os trabalhos de casa e comam tudo.
 
 














Van GoghStarry Night
1889
Museum of Modern Art, Nova Iorque





















Van Gogh
Starry Night (pormenor)
1889

Museum of Modern Art, Nova Iorque




The Spiral Nebula
51 M Canum Venaticorum
1889