- o carteiro -
e o Homem criou Deus... (IX)
Como vimos na última aula (estou a brincar) o fenómeno islâmico vai conquistando áreas cada vez mais importantes economica e geograficamente, áreas essas que anteriormente pertenciam ao Cristianismo. Só sobraram duas: Constantinopla e Roma. Curiosamente as comunidades monofisistas, mal aceites pelo Cristianismo oficial, tiveram mais sorte e tolerância sob o jugo do Islão do que sob a sua própria religião.
À medida que a conquista islâmica atinge o Norte de África, o Médio Oriente e a Ásia Menor, o Império Bizantino mostra-se incapaz de travar a ofensiva. O novo Imperador, Leão III procura respostas para esta situação que, julga, se encontram não só na estratégia, mas também na religião. Ou seja, o Imperador acredita que o avanço do Islão é o castigo divino que os cristãos têm de sofrer pelo seu pecado. E que pecado era este segundo Leão III? Adorar ícones. Os ícones eram - e são - pilares do culto bizantino, mas o Imperador entendia que quem os adora cai no pecado da idolatria. Note-se que o Islão proibia a veneração de ícones e com isto relembrava assim ao Cristianismo a proibição do Antigo Testamento quanto à iconodulia (sim, dulia com "u"). Para fazer cumprir a lei, Leão III envia tropas pelo mundo cristão para destruir as imagens religiosas. A comunidade cristã, obviamente, reage mal (pois que cada um tinha o seu santinho e é obrigado a abdicar dele? não há justiça!). Em 787 - e para dar resposta a esta crise iconoclasta - realiza-se um Concílio Ecuménico. O Concílio determina que é aceite, possível, fazer um ícone de Cristo pois Cristo tinha uma alma e um corpo humanos; ou seja, existiu. Apesar de ter uma alma e um corpo humano, Cristo era consubstancial a Deus, que por sua vez não tinha corpo, logo não podia ser representado. Apesar do Concílio resolver, aparentemente, a questão dos ícones, mostrou também o aprofundar de uma divisão entre o Ocidente e o Oriente, com este último a manter-se mais fiel às escrituras.
Já antes de Leão III subir ao trono, em 732, na Batalha de Poitiers, Carlos Martel (corrigido por anónimo) evita a conquista islâmica de "França". Ao fazê-lo, Carlos Martel instala um novo império cristão a Ocidente. Após a sua morte, e a morte do seu filho Carlomano (que havia ficado com parte das possessões do pai), sucede Carlos Magno no trono. Tal como Constantino e Justiniano antes dele, Carlos Magno vai ser declarado imperador e vai reinar como tal sob uma nova designação: Imperador do Sacro Império Romano. Ora vejamos: Carlos Magno não reinava apenas em "França" as suas conquistas foram vastas. Daí este título. A "Europa cristã", desde a queda de Roma (porque já havia imperadores romanos cristãos desde o século III, IV) entre 476 e 622, mais coisa menos coisa, passou um mau bocado. Do Norte vinham os bárbaros, do Sul e do Este vinham os muçulmanos e dentro do próprio império havia divisões quanto à aceitação e entendimento das imagens. É dentro deste caos que surge a figura de Carlos Magno, rei de França. É ele que recupera o espírito cristão e que começa os primeiros mil anos de uma religião unida, porém não una.
Em 799, um pequeno grupo de homens atravessa as montanhas que dão acesso à França com o objectivo de falar com o Imperador. Entre eles encontrava-se o Papa Leão III (houve um Papa e um Imperador com o mesmo nome, quase na mesma altura). Leão III havia sido atacado e vai até França pedir a protecção do imperador. Isto é uma inversão do que tinha acontecido até aqui. Até aqui, quando as instituições romanas entravam em ruptura era o Cristianismo, a religião que as orientava a nível religioso, claro está, mas também institucional. Isto era um poder; ser papa era ser representante de Deus na Terra, seguir o passos de Pedro e possuir um poder acima do próprio imperador. Agora, a cada passo que Leão III dá na direcção de França, a cristandade afasta-se da sua capital religiosa, Constantinopla, isto porque o Papa se submete ao Imperador; o poder religioso submete-se ao político.
3 Comments:
Não foi Carlos Magno que derrotou o exército árabe em Poitiers, no ano de 732, mas sim Carlos Martel, avô do anterior. Diz-se que foi nessa batalha que ganhou o cognome de Martel, ou Martellus (latim para "o martelo") porque foi martelo de infiéis. E também, possivelmente, por aproximação a Judas Macabeu (do aramaico maqqaba, "camartelo"), assim chamado pela sua ferocidade em combate.
Ou seja, eram ambos "martelos". Temos ainda um terceiro caso, na pessoa de um conhecido comentador televisivo português que recentemente se declarou candidato à Presidência da República.
Eish, fuck!... meti o pé na poça. Vou corrigir. Muito obrigada.
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