quarta-feira, junho 24, 2015
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11 Comments:
"A Evolução de Deus" é um livro reacionário, beato, etnocêntrico e racista. É um livro perigosíssimo, escrito por um jornalista disfarçado de académico e filósofo. Arrumado numa estante, deveria ser colocado junto do “Mein Kampf” e não dos inocentes cordeirinhos do Presépio.
A ideia de que existe uma “evolução” nas formas religiosas é não só ridícula como racista. Não é, infelizmente, uma teoria nova. Também a triste ideia de aplicar o darwininsmo às ciências sociais e humanas não constitui novidade, e a ‘Psicologia evolutiva’ do sr. Robert Wright, autor de best-sellers como “The Moral Animal”, é apenas uma nova versão da Sociobiologia (de que é exemplo o livro de Dawkins, “O Gene Egoísta”, onde se defende a tese pateta de que durante um incêndio defendemos primeiro os filhos e só depois os sobrinhos, porque os primeiros partilham connosco uma maior quantidade de genes).
Reconheço que a comparação com o “Mein Kampf” é algo exagerada. Muito bem, se não quiserem arrumar o Robert Wright ao lado do “Mein Kampf” - afinal de contas um livro de propaganda política - arrumem-no junto da “Decadência do Ocidente”, de Spengler (outro ‘evolucionista’ das civilizações, embora aqui entendidas num quadro de “eterno retorno”) ou das obras completas desse outro pseudo-filosófo, Alfred Rosenberg enforcado pelos Aliados em 1946 e que também começou como editor de jornais.
Olá professor, boa noite:
Então no meio de tantos livros reparou nesse? Nem sequer reparou naquele que o professor que me ofereceu? As Heresias de Raoul Vaneigem?!
Ok, vamos ao livro em causa. O título não é, de facto, muito feliz. A evolução pressupõe uma alteração para melhor; ou seja, o que é hoje, é melhor do que aquilo que era ontem. O que quer dizer que um dia, aquilo que evolui, rebenta a escala! [Não era bem assim que queria dizer isto...] Se houve uma evolução de Deus, como o título diz, isso quer dizer que houve uma constante melhoria ao longo dos tempos. Isso também quer dizer que a sociedade de hoje é muito melhor que as sociedades primitivas. E por esta ordem de ideias, as sociedades de amanhã serão ainda melhores e o Deus em que elas irão crer será ainda mais perfeito. Assim, daqui a uns milhares de anos, Deus será ainda melhor que o próprio Deus! É um juízo de valor. Há no entanto, isso sim, uma transformação na forma como Deus é (na forma como ele nos é dado a entender, na forma como o vinculam): primeiro era cruel e vingativo; agora é cada vez mais doce e compassivo.
Acredite que este autor é muito menos do que aquilo que diz nos seus comentários... Tal como qualquer pessoa com "dois dedos de testa" relativiza (pelo menos!) o que está escrito no Mein Kampf, também qualquer pessoa minimamente informada relativiza o que um autor americano escreve sobre religião. E a verdade é que ele pouca vezes dá a sua opinião. Pelo menos declaradamente. Para além disso, é muito menos "perigoso" do que o Dawkins, porque esse é cientista (assim, a modos que...). As constantes referências às tribos da Polinésia são tão válidas quanto as referências, por exemplo, do Georges Duby ao que acontecia em Florença no século XII quando o que na realidade ele quer é escrever sobre o casamento medieval (isto é só um exemplo). O que ele faz é, a partir das diferentes partes, intuir o todo.
Se é mau, execrável, disfarça bem. E além disso, foi o único livro que descobri que falava sobre as três religiões do livro, sem tentar denegrir aquelas que sabemos não serem a do autor. [Sim, é verdade, corri tudo e não há um livro em português que fale sobre Judaísmo, Cristianismo e Islão] Mesmo os melhores autores não são isentos, por isso este nem foi muito mau...
Vou dormir. Até breve, b.
Gostava de saber o suficiente para poder falar consigo melhor acerca disto. Sou uma bimba armada ao pingarelho
Ó beluga, estive a rever a imagem – até a ampliei! – e olhe que é difícil encontrar lá as “Heresias”, só se reconhecem pela cor da capa (quem souber).
Ele há “Os Maias”, “A Cidade de Deus”, o Malraux, o Burckhardt (em edição de bolso?), o Hans Belting (deste também só consegue ler-se a lombada depois de muito ampliada a imagem…) e por aí fora. Mas o Vaneighem e o Unamuno(?) são os mais difíceis de ler, estão enviusados.
E a beluga tem de reconhecer que a lombada d’A Evolução de Deus” tem umas letras garrafais. Enfim, são as novas ideias em tipografia, é a decadência do design (ou pelo menos do design de ‘bom gosto’, modernista).
Sobre o livro: eu escrevi aquele comentário em tom meio jocoso, como brincadeira e provocação, não foi para a beluga se abespinhar, muito menos se autoapelidar de “bimba & pingarelho”. Mas que linguagem vem a ser essa?
Pois foi, escrevi aquilo meio a brincar, mas a verdade é que não posso com o homem nem com os amigos dele. E claro que tinha de ser americano!
Deus “primeiro era cruel e vingativo; agora é cada vez mais doce e compassivo”. Parece-me que antes será ao contrário. Os deuses não são bons nem maus, as pessoas é que o são. Os antigos hebreus eram maus, com tendência para o genocídio; hoje são mais comedidos e há muitos séculos que a religião deles já não se mete nessas coisas; hoje Israel é um estado secular e YHWH deixou de ser um deus “vingativo”. O deus que veio depois era doce no início (ou assim nos querem fazer crer, diz o Vaneighem), mas rapidamente se tornou amargo durante a Idade Média. Por amarga ironia, o último dos três a aparecer é o que mais amargos de boca nos tem dado, com esta coisa agora do Estado Islâmico. Mas fará aliás sentido, para alguém de bom senso, dizer que o monoteísmo foi um avanço, uma “evolução” em relação ao politeísmo e às religiões da natureza? Não estamos aqui a entrar de novo numa lógica do selvagem/bárbaro vs. civilizado?
Embora não pareça, estas questões extravasam o âmbito do politicamente correcto e da Antropologia cultural (tal como o Macaco Nu, de Desmond Morris extravasa o âmbito da Biologia, e por isso foi criticado). Infelizmente não existe lei inexorável do progresso, como acreditavam os nossos avós (ou aliás bisavós) do séc. XIX, os hegelianos, os marxistas, liberal-capitalistas… Desde Auschwitz que diversos pensadores começaram a aperceber-se disso. Como dizia Lyotard, foi o fim dessas belas narrativas.
Beluga, eu nunca li o livro do Robert Wright, consta até que está muito bem escrito (com referenciação correcta, boa bibliografia, etc.). O argumento é que é perverso. O estar bem escrito torna-o ainda mais irritante, cansativo. É como aqueles livros sobre o “Design inteligente” a nova tendência pseudocientífica-religiosa nova-iorquina (bem sei que o tema não é exactamente o mesmo, mas há semelhanças de intenção e modus operandi).
Gosto muito do seu blog, acho que após uma fase má tem melhorado bastante. Claro que a autora é meio-doida mas, num mundo de loucos, não serão os doidos quem tem afinal juízo?
Olá Professor:
O Burckhardt não é uma edição de bolso. É uma edição com letras muito pequenas e espaçamento mínimo entre linhas. Ok, talvez isso seja o mesmo que "edição de bolso"! "A Evolução de Deus" tem de facto muito peso ali, mas quando escrevi no post "as piadas que podia fazer..." estava a pensar no todo pois aquela prateleira - e nunca tinha reparado nisso nem foi propositado - tinha alguns livros sobre religião perto do presépio. E foi logo "A Condição Humana" a dar cabo da pose divina!
Não me abespinhei; gosto é de um desafio, gosto de poder falar sobre estas coisas e principalmente, aprender. Puff... e aquilo que tenho para aprender. Tenho tanto que às vezes até me sinto desanimada.
Tem razão: não sou bimba. Hoje estava no ginásio e quando me vi ao espelho percebi que nem sequer tenho corpo para ser bimba. Portanto sou só uma tipa-que-nem-sequer-tem-corpo-de-bimba-armada-em-bomba-inteligente! As notícias da minha bimbalhice foram um exagero.
Vamos então a deus e se era piedoso ou não piedoso. Os deuses não eram piedosos; eram vingativos e exigentes até ao tutano. Deus segundo o Judaísmo devia ser um pouco totalitário e devia estar perto de um líder político. Tenho aliás a ideia que muito do Judaísmo era uma questão política, de conquista de território e limitação da prática aos verdadeiros. Não sei... parece-me. Mas ainda hoje é. Não é de conquista de território, mas é de "dissuasão dos vizinhos", vizinhos esses que já lá estavam quando a ONU dividiu o território. A primeira ideia que os cristãos tiveram de Deus deve ter sido boa: prometia uma vida eterna e tratamento igualitário, o que era muito numa sociedade em que a felicidade (já disse isso no blog) devia ser não se ser acusado de conspiração nem morto por "dá cá aquela palha". Mas depois, à medida que as camadas que regiam a política e a "economia" açambarcaram lugares numa hierarquia por eles criada, veiculou-se a ideia de um Deus exigente que queria "choro e ranger de dentes" caso fosse necessário. Na Idade Média, com as pestes e a mudança de milénio Deus tornou-se impiedoso. Para o aplacarmos criaram-se as indulgências e por aí... E depois falta Deus segundo o entendimento do Islão, que para mim é uma grande confusão por razões lógicas: sei muito menos sobre o Islão, embora até saiba alguma coisa.
Mas tem razão: não se pode dizer que houve uma evolução do politeísmo para o monoteísmo. É tão irracional acreditar em deuses que habitam árvores e elementos da natureza, como acreditar numa entidade divina com barbas brancas sentada num trono (e sim, há uma alusão na bíblia a Deus com esta figura). E no entanto... move-se. Ou seja, apesar de saber que não há lógica alguma em acreditar numa ou outra coisa, em deuses de pelota ou num deus barbudo, ainda continuo presa à religião em que fui educada; ou seja, o Cristianismo e a Igreja de Roma. Não sei se acontece no Judaísmo e no Islão, mas os cristãos acham que têm uma espécie de superioridade moral, mesmo quando são humildes, mesmo quando são sincréticos. Isso foi uma coisa que desde sempre detestei dentro da prática religiosa. A outra era o medo que nos era incutido (se não fizeres isto Jesus ralha!)
Design Inteligente? Poupem-me. Já dei para esse peditório. Já temos todo o design necessário. (não é nada consigo, não se preocupe. Só não tenho mais paciência para o Design)
Deu-me vontade de rir, ler que o blog teve uma fase má. É que eu acho que isto é tudo mau! And I'm not fishing for compliments. O belogue é o único "espaço" onde posso dizer coisas as coisas que penso em relação a determinados assuntos sem que ninguém me avalie pelo meu aspecto.
Vou dormir. beijos, b.
Beluga: quando diz coisas, ninguém a avalia pelo seu aspecto físico. Se fosse uma 'bimba' (no sentido norte-americano do termo: “an attractive but stupid young woman, especially one with loose morals”) é que avaliavam aquilo que diz pelo seu aspecto. Ou talvez nem conseguissem ouvir aquilo que diz, de tão interessados no seu aspecto (o mesmo para as mulheres: de tão irritadas com o seu aspecto, nem iam ouvir aquilo que diz).
Mas tem razão, julga-se muitas vezes aquilo que uma mulher diz pelo aspecto físico que tem (Isto é sobretudo verdade para alguns professores de design: “esta usa aparelho nos dentes, aquela tem o cabelo sujo e pouco cuidado, aquela é gorda deve ser uma revoltada-contra-o-mundo, aquela tem umas pernas que parecem uns palitos…”).
Quando eu falei do ‘design inteligente’ estava a referir-me à teoria neo-criacionista – não sei se isto ficou muito claro.
É curioso, fui agora ver à internet e a wikipédia apresenta o ‘Intelegent design’ como uma teoria pseudocientífica, nada mais do que um retomar do velho argumento teo-teleológico de S. Tomás de Aquino das provas de existência de Deus. A versão mais conhecida é, aliás, a teoria do “relojoeiro”. Na célebre frase do teísta Voltaire: “existe o relógio, deve haver um relojoeiro” (o séc. XVIII era obcecado com mecanismos de corda, máquinas e autómatos). Cada um usa as metáforas que pode: na maçonaria inglesa, não há relojoeiros mas o “grande arquitecto do universo”.
A wikipédia diz também que a expressão ‘Intelegent design’ foi inventada em 1989, depois de os criacionistas terem perdido uma batalha jurídica no Supremo Tribunal dos EUA, e o termo “creation-science” ter sido proibido nas escolas. Os argumentos do design inteligente são habitualmente formulados de uma maneira disfarçada, aparentando neutralidade, e evita-se nomear a identidade do “designer” que é afinal (subentende-se) o sempiterno velhinho das barbas brancas.
Mais recentemente, o livro de S. C. Meyer, Darwin's Doubt: The Explosive Origin of Animal Life and the Case for Intelligent Design (2013), estreou-se na lista dos mais vendidos, do New York Times e recebeu críticas muito positivas na Amazon.com. O autor é um professor universitário (ou melhor, ex-universitário: trabalhou na Whitworth University, uma escola superior privada, de confissão cristã, mas actualmente é apenas o director do Center for Science and Culture, do pomposamente intitulado Instituto Discovery, associado aos conservadores norte-americanos e à direita religiosa), o que lhe dá um verniz de ‘credibilidade’ científica, e é fácil encontrar na Internet frases do género: “a primeira vez que um livro fazendo um argumento científico que apoia a teoria do design inteligente…”
Só ouvi falar do livro no ano passado – ou melhor, deparei-me com ele por acaso, na Livraria da UA. Estava colocado na montra, à mistura com as outras “novidades”, com publicações de ciências, sociologia, política. Um trilobite fóssil na capa - até pensei que fosse um livro a sério, sobre darwinismo.
Já agora, um pequeno aparte: a minha filha tem uma colega que estuda Antropologia em Cambridge (Ph.D.). Parece que existe por lá uma aluna americana, a fazer o doutoramento em Primatologia e Evolução humana, que é criacionista. Foi mandada para lá pelos evangélicos (que lhe pagam as propinas) para poder estudar as teorias evolucionistas e arranjar argumentos para as combater. Não consigo imaginar qual será o seu tema de doutoramento (aliás, tenho dúvidas de que alguma vez o consiga terminar e defender a tese com sucesso). Mas actualmente, os problemas principais são com os colegas: ninguém quer fazer trabalhos de grupo com ela, porque complica tudo e o grupo acaba por ter sempre a pior nota.
p.s. - pensando melhor, talvez a rapariga até consiga fazer o seu doutoramento em Cambridge. É que, verifiquei agora, o charlatão do S. C. Meyer, o autor de Darwin's Doubt, afinal também obteve o seu Ph.D. em História e Filosofia da Ciência, com uma tese sobre "Interpretação metodológica da investigação sobre origem-da-vida”. Foi em 1991… na mesmíssima Universidade de Cambridge.
(peço desculpa por um post tão longo).
Olá professor:
É provável que a moça consiga fazer o doutoramento...
Se Deus existe, ele é criador, mais do que mediador (também é um pouco castigador, mas isso é perdoado a um criador). E se "Ex nihilo, nihil fit", então ele deve ser de facto o poeta do poema, o relojoeiro do relógio.
Vou dormir. b.
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