domingo, setembro 07, 2014

Carlota
(2000-2014)


Há que lamentar a gente que morre. Gente que morre porque não tem o que comer, que morre porque é morta, gente que morre porque chegou a sua hora, se bem que eu não saiba o que isso quer dizer nem porque é que se diz assim. Outras vidas, como as vidas dos animais, face a essas, de pouco valem. No entanto a Carlota, que era uma gata, merece este post, independentemente de quão desproporcionado possam achar.

A Carlota foi deixada aqui à porta de casa. Um dia a Cláudia tocou à campainha e mostrou-nos uma coisa espalmada e peluda na mão dela. Perguntou se era nossa. Não era, mas passou a ser. A Carlota não tinha os olhos abertos. Era tão pequena que tivemos de lhe fazer clisteres com talos de couve, e de massajar-lhe a barriga como as mães fazem com as patas. Dávamos-lhe leite magro com água, receita de uma veterinária iluminada. A Carlota começou a definhar antes mesmo de começar a crescer. Um dia estava tão fraca que o termómetro não disparou. Mas com uma botija de água quente por baixo e uma seringa de leite de 3 em 3 horas, arrebitou. Dormia no meu ombro, pois o cabelo comprido tapava-a. No Inverno dormia em cima dos meus pés. Quando me levantava ela entrava para debaixo dos cobertores e ficava lá o dia todo até alguém voltar e acender o fogão de sala. Alternava sonos frente ao lume com sonos na tijoleira, para arrefecer. Quando fazia cócó, corria pela casa toda, com o pelo eriçado e o corpo arqueado. Era muito peluda e quando lhe dizíamos "a vassourinha", era abanava a cauda. Não posso dizer que fosse como se falasse connosco. Mas entendíamo-nos e tínhamos as nossas rotinas. Miava junto à cozinha, depois de jantar, para lhe darmos atenção. Sentava-se no teclado do computador, punha-se em frente a ele e, como todos os gatos, sentava-se em cima de nós nas situações mais inconvenientes. Tinha o nariz e as patas cor de rosa. Tirou o útero e há 4 meses, um tumor na mamoca. Há um mês apareceu-lhe outro e começou a deixar de pedir comida. Refugiou-se debaixo da cadeira e começou a recusar alimento pela seringa. Quando bebia água engasgava-se e tossia até ficar sem forças. A veterinária, que a salvou de morrer da primeira vez, não protelou a morte sob o pretexto de mais uns exames ou uma intervenção, mas não deixou de lhe tentar dar qualidade de vida até ao fim, se é que isso é possível. Não estava lá e penitencio-me por isso: a Carlota morreu hoje. Vou sentir saudades dela. Daquelas saudades de que falava o Chico Buarque 

5 Comments:

Anonymous eu said...

Dizem que os gatos têm sete vidas, mas é mentira, têm apenas uma como todos nós. Dura em média 14 anos. Acho que a partir dos 3 anos de idade (que corresponde à meia idade dos humanos, uns 42 anos), os gatos envelhecem o correspondente a 5 anos dos humanos por cada ano que passa. Um gato de 4 anos tem 45 anos, um de 5, 48 anos, etc. A média de vida dos gatos é de 76 anos, por comparação connosco (não sei se há diferença acentuada entre sexos, como acontece nos humanos).
Neste momento tenho 4 gatos – ou, aliás, 3 gatas e um gato. O mais novo dos bichos tem menos de 2 anos, e a mais velha tem precisamente 14 anos. Acho que está bem de saúde, esperemos que assim continue. Ter um ou dois gatos é bom (quatro, claro, é um exagero!) mas tem os seus inconvenientes. Por exemplo, agora nunca posso ir de férias, por causa de “suas excelências”.

9/9/14 12:41 da tarde  
Blogger Belogue said...

Caro(a) eu:
Não sabia isso. Interrogava-me até se a idade dos gatos era como a dos cães. Mas não podia ser pois há gatos que duram 20 anos, logo teriam 140 anos.
Não tem ninguém que lhes possa dar de comer? É que os gatos, ao contrário dos cães, aguentam-se bem sozinhos por algum tempo. Nós é que somos os animais de estimação deles!

Mas tenho saudades da Carlota. às vezes vou a entrar na sala e penso que ela está lá. depois lembro-me que já não está lá nem em nenhuma parte da casa. durante 14 anos habituei-me a ver a porta do compartimento onde ela tinha as coisas dela, aberta. Agora quando passo por lá...

10/9/14 10:32 da tarde  
Anonymous eu said...

Sim, é triste. Mas há tantos gatitos pequenos para adoptar... São outras Carlotas à espera da sua Beluga. Um conselho: não compre gatos nas lojas de animais de estimação, nem em sites de internet – esses têm quase sempre uma história esquisita por trás. Procure antes nos sites das associações de animais.

12/9/14 8:26 da tarde  
Anonymous eu said...

correcção:
associações de Amigos dos animais.

12/9/14 8:31 da tarde  
Blogger Belogue said...

acho que tão cedo não vou arranjar outra carlota. tenho pena dos animais abandonados e acho que devemos adoptar e não comprar animais de raça, mas como eles têm, em princípio, uma vida mais curta que a nossa, ficar sem as carlotas e as maggies (porque antes da carlota houve uma setter irlandesa, oferecida) dói muito.

um dia quando eu for velhinha e já não tiver muito tempo de vida.

12/9/14 9:47 da tarde  

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