quinta-feira, julho 21, 2011

- o carteiro -

é sempre difícil fazer uma crítica ao trabalho dos outros porque independentemente da avaliação, há o esforço de pessoas envolvidas no mesmo. para além disso, não podemos simplesmente destruir ou aprovar algo pelo sistema romano (agora também faceboquiano) de polegar para cima ou polegar para baixo. é também verdade que para o MIF e para a Marina Abramovich em concreto é indiferente o que eu acho, até porque as pessoas não têm sempre de achar coisas e porque, na maior parte das vezes, para falar a verdade, nenhum de nós acha nada; finge que acha.

The Life and Death of Marina Abramovich partiu de um telefonema dela para Robert Wilson a convidá-lo para este encenar a sua morte, ao que ele acedeu, mas na condição de encenar também a vida. Segundo a artista a morte será a derradeira performance, aquela em que não um, mas três caixões descerão à terra, em três cidades do mundo, à mesma hora. Só um conterá os seus restos mortais e tal como em "Todos os Nomes" de Saramago, será um pouco difícil descobrir se a última homenagem estará a ser prestada à artista ao a um caixão vazio. Logo no início há a alusão a essa performance, com os três caixões no palco e neles três figuras com máscara igual. Cães negros (talvez doberman) andam à volta dos caixões, aludindo assim a uma outra performance da artista.
A partir daí a vida de Marina Abramovich vai ser contada através de histórias sobre a própria vida, histórias estas que surgiram aquando dos encontros entre Marina e Robert Wilson. Distribuem-se por... ora bem... por 13 partes? Parecem-me 13 a contar aqui pelo programa que divide estas 13 partes em 4. Sendo que a primeira é o prólogo e a última o epílogo, sobram 11 e dessas 11, só 8 são para o início da vida da artista. E esse era o grande problema deste espectáculo. Enfatiza-se, tal como num filme de Hollywood, que o patinho feio - Marina Abramovic tinha grandes complexos pelo tamanho do seu nariz que é de facto... grande - dá origem a um cisne. Neste caso, a menina feia e complexada, que nasceu em Belgrado durante o Comunismo deu origem à grande artista que este século idolatra. Acresce-se a isto a relação conflituosa com a mãe, uma mulher com pulso de ferro, dominadora e que condicionou, segundo o espectáculo, a carreira da filha. Há nisto alguns problemas. O primeiro, o facto de colocar o ênfase, o leitmotif da sua criação numa infância e adolescência difíceis, que não deixa de ser um paradigma muito Romântico. Depois, ocupa mais de metade do espectáculo com episódios, que não são contados por ordem cronológica, episódios esses que se centram na vida da pessoa, sem abordarem nada acerca da sua obra. Por fim, numa opção que pode ser considerada um pouco narcísica, apresenta Marina Abramovic como a vítima de um destino demasiado cruel, destino esse que a santifica. Isto acontece na cena final com três corpos em cruz, elevados no palco, sendo que os mesmos se encontram cobertos com máscaras iguais, naquilo que me pareceu ser uma analogia com a performance da sua própria morte e até - mas isto sou eu a pensar - com a crucificação de Cristo, ladeado pelos dois bandidos. A artista aparece como mãe e como Marina, mas sempre numa atitude de diva (talvez para combinar com a exposição que decorria também naquele espaço, mas em sala anexa, intitulado "Warhol and the Diva"). A sua carreira apenas é referida no final, rapidamente por Willem Dafoe, o narrador magistral, um pouco Joker, que vai contando ao longo de cerca de 3 horas, estes episódios. Os mesmos são por vezes contados com o recurso a repetições ou adaptações das performances passadas de Abramovic, como aconteceu com o caso da cobra, do diálogo entre ela e Dafoe, o banho da caveira... Sei que estas palavras "magistral", "fantástico", "espectacular" são hoje em dia repetidas sem grande sentido, já que tudo é "esplêndido". No entanto, se tivesse que atribuir todos estes títulos a alguém, fazia-o a Anthony Hegarty, da banda Anthony and de Johnsons, a única pessoa que fez os espectadores (pelo menos eu), levantar no momento do aplauso final. Acho que hoje em dia se banaliza muito a ovação, mas se calhar é uma coisa minha.


O que aqui em cima foi dito, pode ser rebatido e por isso, antes que alguém comece a dizer que estou a ser parcial, há que referir que de facto era propositadamente um espectáculo elitista e digo-o no melhor sentido. O local era muito afastado do centro, o bilhete era caro (convertido em euros, ainda era um bocadinho, mas quer dizer... às vezes dão-se esses preços por festivais, por isso... não sei) e o espectáculo era apenas acessível, no que diz respeito à sua compreensão, por quem já seguia a vida e obra de Abramovic. Mais a obra que a vida e talvez por isso a obra tenha sido tão pouco referida. A razão pela qual chamo espectáculo é porque foi de facto um espectáculo: a nível visual foi perfeito, com muita imaginação, som potente, figurinos e efeitos visuais excelentes, dicção de Dafoe muito engraçada porém compreensível e até, com alguma ironia que talvez servisse para exorcizar os fantasmas da infância (com repercussões na vida adulta) que assombraram a artista. Houve também a criação/adaptação à cena de alguns quadros expressionistas (de Otto Dix, pelo menos). Porém... e há aqui não um, mas dois porém... foi um espectáculo, com tudo o que isso tem de bom e de mau. Era comercial (custou aliás uma fortuna, o que é de admirar para uma artista que é tão conscienciosa quanto à exploração comercial da arte) e era explosivo, para encher o olho. Não estou com isto a dizer que era desprovido de conteúdo e se calhar até era tão elitista que podia brincar com o valor da encomenda, mas mesmo assim, não deixei de pensar que estava num cabaret. Por fim, coloquei-me outra questão. Supostamente a performance é irrepetível, mas estes espectáculos, que contavam com a artista, eram em si uma performance... que se repetiu por vários dias. E é isso que é contraditório. Nem em "A artista está presente" a performance se repetiu, já que cada dia e hora era diferente da anterior.

Honestamente, o melhor espectáculo que vi foi mesmo Amadou et Mariam e até arrisco dizer que foi o melhor espectáculo que vi até hoje. Mas depois falo mais dele.