- o carteiro -
muitos e antes e depoises. como a maior parte das pessoas deve saber o cristianismo não nasceu do nada: quanto mais não seja tem antecedentes do paganismo, dos deuses gregos, romanos, egípcios, das lendas dos locais onde se adaptou. sabendo que as primeiras comunidades eram até do norte de áfrica (pois no norte de áfrica o poder da lei do império romano não estava tão presente e por isso era permitido a prática de outras religiões com maior benevolência) e que aí também encontramos catacumbas, é fácil perceber que esta religião tenha nascido das vicissitudes encontradas. sendo que, ainda por cima era vista com maus olhos (Plínio-o-velho achava-a repugnante), não se podia dar ao luxo de regatear outras formas de culto que de facto, acabavam por não fugir à vigente pois dava-se o facto de ainda não existir uma vigente. foi nestes momentos de incerteza, até cerca do ano 400 que o cristianismo se viu sem um cânone. por isso também o grande número de heresias e escritos que discutiam pormenores como a consubstanciação e a transubstanciação. quando esse cânone, esse conjunto de regras que apenas a muito custo foi mudando ao longo destes dois milénios de cristianismo se estabelece de forma mais ou menos contundente, ainda estava em construção foi adoptando para a linguagem do cristianismo aquilo que mais lhe convinha. por exemplo, os templos para rezar, para praticar o culto, não são mais do que a adopção e a adaptação da basílica romana. a razão: eram edifícios que estavam "à mão de semear" (não tinham sido destruídos desde a queda do império), não tinham sido manchados pelo paganismo (eram, para os romanos, edifícios de uso civil) e, se alterado o eixo de entrada, dariam resposta às necessidades litúrgicas desta nova religião.
outro exemplo desta adopção de elementos já existentes e posterior adaptação dos mesmos à ideologia cristã, é a imagem bem conhecida de cristo. nas primeiras imagens feitas pelos primeiros cristãos nas catacumbas, cristo aparece como o bom pastor - uma analogia que tinha como objectivo esconder das autoridades a ideia de cristo como mestre e do rebanho como os seus seguidores. mas esse bom pastor é uma adaptação do moscóforo, da escultura arcaica da antiguidade. no entanto, quando o cristianismo se tornou religião oficial do império, esse cristo imberbe e juvenil não fazia sentido numa religião que apesar de muito recente defendia ideias muito estritas. era necessário um cristo mais credível. por isso, e porque o modelo de homem que toda a civilização tinha nesse momento era o imperador, cristo passou a ter a imagem do imperador: com barba, meio ruivo (como começaram a ser os povos depois da mistura com povos bárbaros) e com auréola, um atributo que vem do culto de mitra.
e quanto a nossa senhora? o que acham da história da natividade? bonitinha, não é? pois, mas os pormenores sobre a forma como a virgem deu à luz, ou quem estava lá, ou se estava frio ou quente, se o menino foi deitado em palhinhas ou embrulhado em paninhos, são contraditórios nos diferentes evangelhos. por exemplo, lucas diz no seu evangelho que o menino foi embrulhado em panos: "E deu à luz a seu filho primogênito, e envolveu-o em panos, e deitou-o numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na estalagem." os magos são magos ou são reis? há quem fale de magos, há quem fale de reis. mateus por exemplo fala de magos: "E, tendo nascido Jesus em Belém de Judéia, no tempo do rei Herodes, eis que uns magos vieram do oriente a Jerusalém". a verdade é que só mais tarde estes magos passam a reis. existem porém outros escritos, não canónicos, que também podem ser considerados. o proto-evangelho de santiago
é a narração mais antiga deste episódio da vida de cristo. data de cerca do século II e IV e fala da existência de uma gruta em belém e de uma parteira chamada salomé. o pseudo-evangelho de são mateus é uma versão de finais do século V que recolhe tradições orais. nele é referida uma gruta subterrânea com um boi e um burro que adoram jesus, bem como três mulheres para além de maria: duas parteiras e salomé que iria testemunhar a virgindade da virgem. como podemos ver as formas de retratar o presépio forjam-se nesta altura. é também aqui que surge a questão (caso para dizer, bizantina) que dividia a igreja a oriente e ocidente: como teria concebido a virgem? de pé, ou deitada? para acentuar ainda mais as diferenças entre oriente e ocidente a primeira optou por retratá-la sempre deitada enquanto a ocidente optou-se pela virgem em pé, sentada ou ajoelhada junto ao menino, a adorá-lo, evitando assim a discussão acerca de um parto que ninguém sabia como tinha sido.
Nativity and Adoration of the Shepherds
c. 1383
Pinacoteca, Vaticano
Nativity
1423
Galleria degli Uffizi, Florença
e depois de já termos falado sobre o nascimento de cristo e de seus pais, temos que falar da morte de cristo, cuja representação não foi sempre a mesma. no início do século XIII nota-se a mudança já que cristo que habitualmente tinha quatro pregos na cruz, passa a ter apenas três (apenas, é como quem diz...) e mostra-se impassível face à dor já que está de olhos abertos. o bispo lucas de tui escreve no início de 1230 que compreende as razões para esta mutação na iconografia cristã já que este novo esquema triangular de dor era ainda mais pungente que o outro. pois ora se assim, com três pregos cristo parecia sofrer mais do que com quatro... era porque tinha sido crucificado com três pregos e não se falava mais nisso. na verdade o que deve ter provocado a morte de cristo terá sido - se atendermos à possibilidade de ter apenas um prego para os dois pés, cruzados um sobre o outro - a força que teria de exercer na coluna para não romper os pregos nas mãos. ficam também aqui duas imagens, uma relativa aos quatro pregos e outra aos três.
Autor desconhecido
Crucifixo
1138
Cathedral, Sarzana
1290-1300
Santa Maria Novella, Florença
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