segunda-feira, fevereiro 21, 2011

- o carteiro -

Exceptuando o cabelo estilo Whitney Houston em início de carreira, Dürer era no geral muito bem apessoado. Ao olharmos para o auto retrato do pintor de 1500, o que sobressai são os olhos e a postura completamente rígida e frontal, embora com certa subtileza nas mãos que tocam na pele do casaco. Um triângulo formado pelo cabelo que lhe cai pelos ombros emoldura o rosto e tudo é absolutamente perfeito. Tudo está colocado de forma irrepreensível no lugar certo. O rosto equilibra a composição ao jogar com o triângulo formado pelas inscrições à esquerda e à direita pelo dedo da mão cá em baixo. As inscrições - assinatura e data estão na mesma superfície da pintura, como se fizessem parte do tema, não sendo por isso informação adicional. Relativamente ao cabelo sabemos que Dürer o estimava muito, mesmo não sendo o corte da moda na época. Existe actualmente uma madeixa conservada como uma relíquia num relicário em Viena. O rosto de Dürer nesta pintura deve ser herdeira de um ícone pintado por Van Eyck que Dürer muito admirava. De resto o seu próprio rosto serviu de inspiração para o desenho de muitos véus de Verónica (os que tinham o rosto de Cristo) e um ano após a sua morte, o rosto do pintor foi usado para pintar o quadro de Georg Vischer "Christ and the woman taken in adultery". No entanto, apesar de todas as descrições que possamos fazer nunca vamos poder chegar a mais informações sobre Dürer. De que cor são os seus olhos? Que idade terá nesta pintura? Qual o seu estado de espírito? Dürer pintou-se de uma forma tão imaterial e tão de acordo com a época que parece Jesus. Este tipo de representação não é estranho, mas não em auto retratos e desta forma tão misteriosa. Claro que como o rosto de Cristo era completamente desconhecido, como ninguém sabia como era esse rosto, ninguém podia afirmar que Dürer era parecido com o Messias. Mas o pintor é o único artista da época que o faz. Só mais tarde Schielle ou Gaugin o fazem e se ainda agora pode ser considerado um sacrilégio, imaginem na época. Dürer pinta-se como Cristo pois tenta viver à imagem de Cristo na arte, podendo ser assim considerado um produto do divino. Dürer não se via como divino (Imago Dei), mas como Cristo (Imatio Cristo); ou seja, ele era um instrumento do divino. Com o que diz a inscrição do quadro não pode haver dúvida: Eu, Albrecht Dürer de Nuremberga pintei-me nos meus 28 anos".
Albrecht Dürer
Self-Portrait in a Fur-Collared Robe
1500
Alte Pinakothek, Munique

Como muitas imagens, esta de Dürer provocava algo em quem a via, mas talvez como nenhuma outra de forma tão apaixonada e tão extrema. A escritora alemã Bettina von Arnim tinha uma cópia da pintura (talvez também desejasse assim ter do homem), cópia essa que queria enviar a Goethe por quem se sentia capaz de se enviar também. O contrário também já aconteceu; ou seja, o retrato de Dürer foi tanto vítima de amores exacerbados como de ódios fervorosos. Em 1905 alguém recortou de forma perfeita as íris e as pupilas dos olhos da pintura. Claro que atribuímos, nestes casos de vandalismo, a culpa a quem vandaliza. Mas não podemos deixar de assinalar que um ataque, perpetrado com tanta precisão tinha de ser provocado também pelo atacado; ou seja, pelo próprio Dürer que acicatou os ânimos do atacante através da forma como o olhava.

Dürer tornou-se uma marca. Mesmo o seu primeiro desenho conhecido era um auto retrato. Não que fosse vaidoso ou narcisista, mas era um artista dotado, consciente do seu valor e que se sentia injustiçado face ao reconhecimento que tinham outros artistas como Ticiano e Bellini e que Dürer não tinha. Desenhou-se nu em 1503. Ali esconde uma mão atrás das costas e uma (que não se encontra actualmente visível) com o dedo esticado. Esse dedo aponta sobre um ponto assinalado a amarelo e sobre o qual Dürer diz: "Ali onde está localizado o ponto amarelo e para onde aponto é que me dói". Dürer deixa assim os sintomas para no futuro se revelar o diagnóstico para uma doença que muito provavelmente tinha contraído quando andava à caça de uma baleia que tinha aparecido na costa da Nova Zelândia.
Albrecht Dürer
Self-Portrait in the Nude
c. 1505
Kunstsammlung, Weimar

Outros dois retratos foram feitos e vistos com menos certeza da masculinidade de Dürer como acontecia com o nu referido anteriormente. Nele o sexo protuberante recebe quase a mesma atenção visual que os olhos. Talvez o pintor mesmo na doença estivesse a ser exibicionista e orgulhoso mostrava o pénis e a gigantesca sombra do mesmo. Numa pintura que mesmo para os nus da época estava (como hei-de dizer...)... sofria de príapismo. Quer dizer... veja-se o pénis pequenino que tinha o David e Miguel Ângelo, quase contemporânea desta pintura. Bem, como estava a dizer, os outros dois retratos de Dürer que aparecem aqui são vistos pelos críticos como o reflexo do seu narcisismo. No primeiro ele retrata-se com os trajes de um cortesão e segura numa das mãos uma planta, simultaneamente símbolo de Cristo (mais uma vez a analogia com Cristo) e um afrodisíaco. Segundo alguns este não é um retrato de acasalamento, não era um retrato para seduzir ou ser conhecido por mulheres ou homens. Dürer sobre quem a vida amorosa era quase uma incógnita, fala poucas vezes sobre este campo da sua vida. Apenas uma frase algo dúbia: "os meus casos correm conforme o ordenado pelo Alto". Não sei se estaria a dizer que a sua vida amorosa era quase como divina ou se no fundo era inexistente. De qualquer forma o retrato não é de quem está a tentar seduzir, mas antes de alguém que está enamorado de si mesmo. Goethe que possuía uma edição completa dos desenhos de Dürer falava animado acerca do vigor e virilidade do pintor nos desenhos. No entanto, comparando esta pintura com o primeiro quadro deste post ou com o desenho de nu, não há nada de masculino aqui. Se compararmos com este retrato de 1498 tudo o que foi visto anteriormente é colocado em causa: a blusa deixa parte do peito à mostra; há um conjunto intrincado de listras pretas e as mãos de Dürer, ao contrário dos outros retratos, estão cobertas por luvas à moda de Nuremberga. Atrás Dürer pintava só uma das mãos enquanto deixava a outra, a que verdadeiramente pintava ou desenhava, oculta. Aqui o pintor mostra as duas mãos, mas desocupadas e ainda por cima com umas profiláticas luvas que afastam a ideia de qualquer trabalho manual. Este retrato é talvez o prémio que Dürer se ofereceu, já que na data em que é pintado, Dürer tinha sucesso em Veneza, tinha publicado o Apocalipse e tinha sido elogiado por Bellini. Pinta-se por isso como se fosse um dos patronos que costumava retratar: em pose grave, bem vestido e sobre uma paisagem italiana. É portanto mais do que o retrato de um homem; é a expressão de experiência, riqueza e cosmopolitismo.
Albrecht Dürer
Self-portrait at 22
1493
Musée du Louvre, Paris


Albrecht Dürer
Self-Portrait at 26
1498
Museo del Prado, Madrid

Dürer faleceu na Semana Santa em 1528. No seu túmulo podia ler-se qualquer coisa como: "O que quer que seja mortal em Dürer, está coberto por esta pedra". Dois dias após a sua morte a madeixa de cabelo é cortada e dada ao seu assistente Hans Baldung. Três dias após o funeral de Dürer estudantes e admiradores do pintor exumaram o corpo para fazer uma máscara funerária. No século XIX algumas pessoas abriram de novo o túmulo na tentativa de verificar a proporcionalidade do corpo de Dürer, mas no seu lugar encontraram o corpo de outro artista que tinha falecido recentemente.

4 Comments:

Blogger Brontops Baruq said...

Este comentário foi removido pelo autor.

21/2/11 12:48 da manhã  
Blogger Brontops Baruq said...

Gosto dos desenhos e gravuras de animais de Durer. Isto me remeteu a Walton Ford

http://www.pbs.org/art21/artists/ford/

http://www.taschen.com/pages/en/catalogue/art/all/01061/facts.walton_ford_pancha_tantra.htm

http://www.paulkasmingallery.com/artists/walton-ford/

Não é difícil encontrar no google sua pintura com o afogamento do Rinoceronte de Lisboa.

Abs

21/2/11 12:50 da manhã  
Blogger Belogue said...

Caro Brontops. muito obrigada. Não conhecia este walton Ford e gostei muito. Até estive a ver se consigo fazer um "antes e depois" com alguma das aguarelas dele. Mas não é para agora. O computador está numa parte fria da casa e não me apetece postar. Mas de qualquer forma, bons links. Obrigada

24/2/11 9:39 da tarde  
Blogger alma said...

beluga,
já tinha saudades das suas teses

26/2/11 10:57 da tarde  

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