quarta-feira, dezembro 10, 2008

- o carteiro -

What to wear VIII (1900-1939):
No período que vai de 1900 a 1939 o mundo assistiu a uma Guerra Mundial e preparou-se para outra. Era uma época que em Inglaterra se chamou de Eduardiana, apesar de o rei no trono já não ser Eduardo VII desde o início da década, e na França chamava-se, hipocritamente, Belle Époque (apesar do florescimento cultural e do crescimento tecnológico, a luta de classes era uma constante, bem como os escândalos políticos). Em tudo, Inglaterra e França eram semelhantes, excepto num pequeno pormenor: em Inglaterra, pela primeira vez, a sociedade girava em torno da corte e era ela quem impunha, de forma natural, uma maneira muito simples e optimista de lidar com a vida. O rei Eduardo VII gostava tanto das coisas e pessoas mais requintadas, como do homem comum, do trabalhador, de piadas, de mulheres bonitas indecentemente do extracto de que provinham. Tudo era em grande: havia mais festas e estas eram cada vez maiores e melhores do que até aí foram feitas e por isso ficava-se acordado até muito mais tarde, comia-se muito mais, matava-se também muito mais, as infidelidades eram mais conhecidas (não se sabe se eram em maior número, mas calcula-se que sim. Como diz aquela expressão: Podes esconder algumas coisas de algumas pessoas, durante algum tempo, mas não podes esconder todas as coisas de todas as pessoas durante todo o tempo). Este foi também o tempo em que a moda, principalmente a feminina sofreu as modificações drásticas que levaram à moda de hoje. Se já no século passado as mulheres tiveram alguma tendência para esbater a fronteira que as separava dos homens, agora, numa época em que o movimento sufragista crescia, elas conseguiram o direito, não a vestir calças, mas a ser o mais masculinas possível.
Mas antes de chegar esse momento e logo no início do século, as mulheres queriam-se maduras, fleumáticas e controladoras, com o busto pesado e até com uma forma um pouco alterada graças ao chamado “espartilho saudável” que ao contrário dos outros espartilhos actuava na zona da cintura, levantava um pouco o peito, mas não o esmagava. As mulheres ficavam assim com o peito mais solto, mais natural e com uma silhueta em forma de S. Como a saia era lisa sobre as ancas e abria em forma de sino até ao chão, as nádegas ficavam ainda mais acentuadas. A saia cobria totalmente as pernas e no decote nada ficava à mostra, nem os braços que eram cobertos por luvas. As blusas tinham sempre uma gola subida, como se fossem de gola alta, mas preenchidas com renda e armadas com barbatanas. A renda era a loucura do mulherio: quem não podia comprar da boa, da verdadeira, recorria ao croché irlandês (a Irlanda desde sempre teve “as costas largas”. Depois de ficarem sem batatas e terem emigrado para América, agora serviam as senhoras com o apetite para as rendas). O uso deste tipo de blusas fazia com que o pescoço parecesse muito longo algo que era corroborado pelo tipo de penteado: o cabelo usava-se levantado e puxado para o topo da cabeça e por cima um chapéu “panqueca”, achatado, que se projectava para a frente para equilibrar a proeminência das nádegas. O chapéu era adornado com plumas, com muitas plumas, que juntamente com a renda eram a loucura das senhoras. À noite as mulheres transformavam-se, tal como certos homens se transformam em hooligans em jogos de futebol. Como durante todo o dia estavam tapadas dos pés à cabeça, à noite usavam vestidos onde abundava a renda, as transparências e os decotes generosos.




Mais uma vez, não sei como aquelas mulheres aguentavam o frio pois como podemos ver pelas imagens, as roupas não eram acompanhadas de casacos mais quentes ou capas para o Inverno e ainda por cima eram confeccionadas em tecidos muito delicados e caros: mousseline de soie, tule, chiffon e crepe da China. Usava-se apenas um pequeno bolero ou um casaco semelhante ao blazer Eton. Por outro lado, não se percebe como no Verão era possível andar com roupas tão apertadas na parte superior do tronco, com golas tão altas e ainda por cima, com luvas e chapéu de plumas. Não é possível que as temperaturas tivessem mudado tanto desde o início do século até hoje. A roupa reflectia um estilo de vida muito despreocupada e dada inteiramente aos prazeres da vida. Foi talvez a última vez no século passado que se viveu tal optimismo, o que até se pode ver nas cores das roupas: azul claro, rosa desmaiado e malva.



A roupa também se tornou um pouco masculina. Como vimos, a diferença no vestuário que separava, antes, empregados de empregadores, estava agora esbatida e com a afirmação das indústrias, de novas tecnologias e da burguesia, muitas jovens encontraram emprego como governantas, dactilógrafas e empregadas de balcão. Para esses trabalhos não podiam ter vestidos tão elaborados ou justos que se podiam sujar com facilidade e não permitiam grandes movimentos. Por isso o traje feminino para estas senhoras tornou-se um pouco mais masculino: as golas eram masculinas, algumas senhoras usavam gravatas e tecidos como o tweed em padrão muito masculino, que hoje parece normal, mas que naquela altura era um pouco estranho. Conquanto as senhoras não usassem calças (ou quase), estava tudo bem. Até as senhoras ricas e mais emancipadas usavam este traje para estar no campo ou praticar algumas actividades desportivas.



O traje masculino não mudou muito: exigia-se a mesma formalidade no uso da cartola e da sobrecasaca, mas já havia senhores que usavam o fato com um chapéu homburg (nome do balneário alemão que era frequentado pelo Príncipe de Gales). O chapéu também podia ser de palha, que se estava a tornar bastante popular e entre os jovens iniciava-se a moda das calças curtas, estreitas e vincadas à frente com a bainha virada para fora. Os colarinhos eram muito altos e muito brancos de linho, como se fossem o equivalente masculino das golas rendadas das blusas femininas.

A forma em S da figura feminina começou a alterar-se um pouco, pois o busto já não era projectado para a frente nem as nádegas para trás. As blusas eram mais folgadas e já não ficavam justas; por isso caíam sobre a saia, o que fazia com que as ancas não sobressaíssem. Para compensar os chapéus ficaram maiores, o que também contribuiu para esse efeito. Mas por volta de 1910 a roupa mudou de forma radical talvez devido à influência dos Ballets Russes, dos desenhos para moda de Paul Poiret (aliás, os estilistas, tanto mulheres como homens, tinham muito trabalho: Lucille, Charles Creed e Redfern) e da produção de Scheherazade com figurinos de Leon Bakst. Não é que as roupas se tivessem adquirido um sabor oriental, mas cores deixaram a paleta dos pastéis e tornaram-se muito fortes. Para além disso as senhoras deixaram de usar corpetes rígidos o que fez com que as blusas se tornassem ainda mais soltas, com muitos drapeados. As saias que antes eram em forma de sino, afunilaram graças a uma barra de tecido que era aplicada em baixo. Isto não permitia que as senhoras dessem passos muito grandes e para evitar que rasgassem as saias algumas tinham uma aplicação de cadarço. Porém, o ar era um pouco oriental, como se fossem escravas, numa altura em que as sufragistas protestavam. Algumas mulheres usavam mesmo, por baixo da saia as calças orientais chamadas “calças de harém” que elas faziam questão de mostrar quando levantavam um pouco a barra da saia. Isto causava um sensação que não se pode imaginar. Os chapéus continuavam muito grandes, mas já não se usavam as rendas como antes. Agora as atenções voltavam-se para os botões que eram aplicados em todos os sítios – mesmo os desnecessários – e faziam com que o modelo ficasse muito estranho.



Em 1913 houve outra alteração no traje: as golas deixaram de ser altas, para desaparecerem totalmente. Aliás, foi adoptado o decote em V que criou muita controvérsia. Não percebo muito bem porquê, uma vez que já antes as mulheres tinham usado decotes muito pronunciados. Foi tão contestado que padres pregavam contra o decote em V e os médicos diziam ser prejudicial para a saúde (até lhe chamavam “blusa pneumonia”). Apesar dos conselhos médicos e proibições morais, as mulheres continuaram a usar o decote em V. Um pouco antes do início da Primeira Guerra Mundial o traje feminino tornou a mudar a sua forma: a saia continuava comprida e justa nos tornozelos, mas sobre ela usava-se outra saia até aos joelhos, como se fosse uma túnica, o que dava um pouco mais de volume às ancas. Os chapéus também mudaram de tamanho e passou-se a usar o chapéu muito justo à cabeça, adornado com uma ou duas plumas ao alto e não envoltas no chapéu. Quando a guerra começou os chapéus mantiveram-se, mas as saias de baixo, muito justas foram abandonadas ficando apenas a túnica, embora mais comprida. A guerra teve um efeito negativo sobre a evolução da moda, uma vez que até 1918-1919 pouco aconteceu.


Quando a guerra acabou, a moda pôde prosseguir e o estilo amplo das saias/túnicas que eram usadas na guerra deu lugar à silhueta barril, o que dava um efeito tubular. As saias ainda eram compridas, mas já havia uma tentativa para ficarem mais curtas e como se pretendia que o corpo fosse um cilindro, as formas femininas como o peito foram abafadas por achatadores. A cintura também desapareceu, ou como se viu mais tarde, desceu um pouco. Só em 1925 é que o comprimento das saias foi encurtado, o que constituiu um escândalo. Os ecos vinham da América e de todo o lado: o bispo de Nápoles disse mesmo que um recente sismo em Amalfi se devia a esta ousadia feminina que cobria as pernas apenas até aos joelhos. O modelo de beleza mudou radicalmente: a mulher passou a ser andrógina e com sucessivas tentativas de se parecer com um rapazinho, o que conseguiam graças aos esquemas usados para achatar o peito, graças ao corte das roupas e last, but not least, aos cortes de cabelo, muito curtos e colados ao crânio, independentemente da idade. Era o único penteado que se podia ter para usar um chapéu cloche, uma novidade universal naquela época. Mas por volta de 1927 o corte de cabelo foi mais radical e o que distinguia uma jovem rapariga de um rapazinho era a roupa, claro está, os lábios muito encarnados e as sobrancelhas finas, muito arqueadas e marcadas a lápis preto. O mais curioso é que associamos esta silhueta às francesas, mas em França a moda não foi tão bem aceite como em Inglaterra ou nos Estados Unidos, devido às grandes casas de moda que não consideravam a nova mulher, uma mulher compatível com o “chique” francês. Mas a mulher francesa gostava. O resultado foi o fecho e bancarrota de muitas casas de moda que se recusavam a trabalhar para um tipo de silhueta que não evidenciava os atributos femininos. Surgiram então novos nomes, principalmente de mulheres estilistas que compreendiam bem o que as outras mulheres queriam. Destacaram-se Madame Paquin, Madeleine Vionnet e claro (e peço uma vénia), Madame Chanel que era amiga íntima de Picasso, Cocteau e Stravinsky. Estes nomes são importantes pois esta era uma altura em que a mulher lutava para não ser apenas uma boneca de sala e para mostrar que tinha outros interesses e estava na vanguarda. No final desse ano as saias encurtaram ainda mais, o que beneficiava os comerciantes de meias, mas prejudicava a indústria têxtil em geral.








Obviamente sentiu-se uma oposição a este movimento e houve mesmo a tentativa de voltar aumentar o comprimento da saia, mas as tentativas foram tão fracas (com o recurso a painéis traseiros e laterais de diferentes alturas), que não vingaram. E para espanto de muitos, no início da década de 30 as saias voltaram a usar-se compridas, a cintura subiu para o sítio normal, os cabelos cresceram e os chapéus cloche foram abandonados. Isto denota, na minha opinião, um retrocesso, não por feminismo meu, mas porque a altura coincide com a Grande Depressão e a ascensão de Hitler ao poder. Tinha acabado a fase de euforias, liberdades e igualdade entre sexos (ou a luta por ela). As mulheres sentiram, mais do que os homens até, a necessidade de disciplinar o corpo, quase como que a punirem-se pelo fim trágico dos anos de irreverência. Os modelos mudaram, não como um retrocesso, mas como uma adaptação ao tempo. Os ombros usavam-se largos e as ancas muito estreitas como as de um homem. Aliás, toda a figura feminina era um pouco angular, tirada de Greta Garbo. Nessa época não eram os reis quem ditava a moda, nem os governos, mas as actrizes de cinema. Há uma teoria que se chama “Teoria da Zona Erógena Mutante” e que diz que quando um ponto de sedução corporal é suprimido, outro é encontrado. Assim, quando as bainhas das saias desceram e as pernas ficaram tapadas, as costas descobriram-se. Os vestidos primavam pelos decotes profundos nas costas desnudadas. Como se isso não bastasse, as saias tornaram-se mais justas nas ancas de forma a evidenciar as nádegas, o que juntamente com as costas podia levar um homem à loucura. Mesmo as blusas tinham uma abertura nas costas.



Esta mudança do ponto de sedução das pernas para as costas deve estar relacionado com a alteração que os fatos de banho sofreram a partir da década de 20. Nessa altura eram muito tapados com grandes saiotes e decotes muito pequenos. Com a década de 30 os médicos e a sociedade em geral começou a aperceber-se dos benefícios do Sol, que até aí era “persona non grata” na pele. Ninguém queria estar bronzeado. Agora, o símbolo de uma vivência desafogada era o bronzeado. Como para apanhar Sol o melhor era mostrar a pele, muita pele ficou à mostra: o saiote foi muito reduzido, as cavas mais pronunciadas e o decote aumentado. Um pouco depois surgiram os primeiros fatos-de-banho com costas à mostra.

Na década de 30 a moda feminina caracterizava-se por vestidos muito justos mas de linhas rectas, sendo mais largos nos ombros do que nas ancas. Para este tipo de silhueta os estilistas preferiam mulheres altas e magras e este tipo de raparigas é que eram procuradas por eles para os desfiles de moda. A altura era intensificada graças aos cabelos apanhados, bem colados à cabeça e apanhados atrás com um puxo. Os vestidos de noite eram bastante compridos e os cabelos sofisticados e tal como foi dito. Já em relação à roupa para o dia-a-dia, as saias e vestidos ficavam cerca de 25cm acima do chão e a cabeça era coberta por um pequeno chapéu que tapava um dos olhos. Por causa do frio, que não ia bem com as costas nuas, as senhoras usavam capas ou boleros que nessa altura estavam muito na moda. A Depressão e a regressão no vestuário feminino fez com que se esbatesse ainda mais as diferenças entre o vestuário das classes mais altas e das empregadas e fez também com que as criações das grandes casas de costura ficassem ao alcance de várias camadas sociais.

Quando chegou o advento da Segunda Guerra Mundial o traje feminino sofreu mais modificações do que na Primeira Guerra Mundial e os tempos eram confusos mesmo para os estilistas que não sabiam qual o caminho que a moda ia seguir. Houve uma tentativa de recuperar algum romantismo das vésperas da Guerra Franco-Prussiana. Houve até uma tentativa de recuperar a crinolina para os vestidos de noite. Os vestidos de dia conseguiram manter um estilo sóbrio: a saia era mais curta e franzida, em estilo campestre. Mas não era um “camponês” qualquer, era o estilo camponês austríaco como uma homenagem ao poder de Hitler que privilegiava tudo o que era germânico. Ninguém percebeu que se estava às portas da Segunda Guerra Mundial e os estilistas, incentivados pelas mudanças sociais bruscas, impunham silhuetas muito diferentes de país para país e quase de ano para ano como se não estivessem a perceber que algo estava prestes a mudar.



A roupa masculina permaneceu sem grandes alterações, excepto no abandono da formalidade. Entre as duas guerras tornou-se cada vez menos formal e depois do Armistício não havia sobre casaco ou casaco para a manhã. Em vez disso usava-se um fato de bom corte e o uso do colete foi sendo alternado com períodos em que não era usado sequer. A grande modificação notou-se nas calças largas cujo nome era Oxford Bags, vindo por sua vez da prática do remo em Oxford e do uso de umas calças largas por parte do treinador dos estudantes que depois, por respeito, passaram também a usá-las. As Oxford eram tão largas que por vezes só se conseguia ver a ponta do sapato e como todas as modas que se tornam ridículas, as Oxford desapareceram. No entanto as calças continuaram muito largas e devido à influência recente dos knickerbockers (uniforme dos oficiais da guarda na Primeira Guerra Mundial), transformaram-se numa mistura de calções de montaria e calções e knickers. Eram calções bastante largos até baixo do joelho fazendo um fole.

3 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Palmas !
as ilustrações dizem muito... adoro os sapatos de presilha adoro os chapéus cloche adoro o vestido da safada e brilhante Coco ! adoro o vestido da madame X
ainda hoje adoro os fatos de banho traçados nas costas e sempre que posso mostro o esplendor das minhas costas ...

qt a ser a única leitora sobre moda! duvido...

10/12/08 3:40 da tarde  
Blogger AM said...

leio e gosto, mas falta-me a coragem para me meter entre as especialistas

10/12/08 8:37 da tarde  
Blogger Belogue said...

Cara Maria:
eu voto nos chapeús cloche e na Coco Chanel por inteiro, incluindo a "regência" do kaiser Karl Lagerfeld.
Não será a única leitora a ler sobre moda, mas a ler estes post-testamento com a mínima atenção, deve ser.

Caro AM:
Por mim falo: não sou especialista. Gosto de moda, gosto muito de moda, mas interessam-me mais os fenómenos como aquele de ter de pagar uma taxa se as pontas dos sapatos excedessem X centímetros. E gosto de ver estas mudanças, percebê-las. Meta-se sempre que quiser. Não se fala muito de roupa para homem, mas isso é porque não houve grandes alterações.

12/12/08 1:01 da manhã  

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