quinta-feira, outubro 23, 2008

- não vai mais vinho para essa mesa -

por mais que se pense que o Portugal profundo está mesmo muito fundo, enterrado entre os montes e as pedras perto da fronteira, que os espanhóis já começaram a comprar, e que está nos espigueiros e nas eiras (minudências provincianas, dizem), e que já não se planta a batata como antigamente (eu tinha sorte, era pequena e ficava a ver os adultos a apanhar batata enquanto bebia Sucol de alperce, sentada numa toalha aos quadrados vermelhos, à sombra) e que as mulheres não rezam enquanto cavam, deixem-me dizer-lhes que em muitas cidades, grandes cidades, ao virar da esquina, onde um autocarro em pressa larga fumo como larga passageiros, ainda há casas com pequenos recantos para pencas e salsa, "que a vida está cara, menina". Há uma ou outra árvore de fruto, árvore essa em que mulher menstruada não toca, e uma senhora de lenço na cabeça, vestida de preto, a apoiar-se na enxada enquanto descansa os costados e observa o fumo do escape em cima das pencas para a consoada de Natal. Dentro do autocarro, ao meu lado, muda o contexto, mudam as roupas, mas não muda a conversa:
- Bócê tem pencas pra este Natal?
- Num tenho nada. Os caniços déro-me cabo de tudo. Bou ter quir comprar.
- Onde é que bai cumprar?
- Pois olhe onde compro… tenho dir ao Henrique Feijoca que tem pencas menina... Aquilo é cinco minutinhos nu lume. Troços é mais, troços é dez minutos.
- Benha lá a casa queu bendo-lhe, tenho muito. Inté tenho para as pintas, beja bocê!
- E são bôas? Bocêmesse beja lá! Im casa o meu Nel é munto comedeiro, gosta delas bôas e a desfazerem-se na boca. Quando lhe espeta o garfo e a penca adesenrola-se e cai, já num bica mai náda.
- São bôas, cunfie em mim. Eu inté lhe disse que dába às pintas. E num é que o raio das catraias estão mais bonitas? Botaram crescedura! Andabo munto escazumeladas, munto amarelitas, ma lá arrebitaro cum as pencas. Aquilo são pintas que fazem munta cumpanhia! Até parece que fálo cum a gente!
- E o meu caniço? Bocê num sabe... Inté disse à minha mais belha: "Este cão bai dar gente".

2 Comments:

Blogger João Barbosa said...

fiquei deliciado... e nem provei as pencas (hoje... adoro penca)

23/10/08 2:04 da tarde  
Blogger Belogue said...

quem prova uma vez (em arroz malandro), não quer outra!

27/10/08 12:51 da manhã  

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