sexta-feira, agosto 01, 2008

- carteiro -
Agora que o mês muda achei por bem fazer um post sobre os meses do ano na arte e colocá-lo aqui no Belogue. Pondera-se entretanto a mudança de algumas destas rubricas, uma actualização de título ou mesmo de conteúdo pois acho necessário falar mais de escultura e de arte contemporânea, bem como de arte oriental. Não tem havido nada disso, bem sei, mas a resposta a isso deve-se ao facto de aqui no Belogue termos por princípio não falar daquilo que desconhecemos.

Como é que se identifica na arte, uma estação do ano? É relativamente fácil se tivermos presentes dois aspectos da iconografia dos meses: baseiam-se nos signos astrológicos ou com as mudanças de clima (ciclo dos alimentos, provérbios e temperamentos humanos). A maior parte das obras que vamos ver aqui são de miniaturistas medievais pois como pintavam a realidade feudal do seu tempo, pintavam os ciclos das colheitas, a importância dada à lua, a influência celeste sobre este trabalho. As estações do ano moldavam as pessoas e o seu trabalho e isso era tudo o que era retratado nas iluminuras medievais. A isto juntavam-se muitas vezes algumas associações que pautavam a vida desta sociedade como os jogos, os trabalhos domésticos, as festas… Quando chegamos ao Renascimento, como a sociedade mudou (não deixando de existir a relação patrão/empregado), assiste-se também a uma alteração na forma como os meses do ano são pintados e nota-se o predomínio de uma linguagem mais profana, onde os símbolos profanos são de facto utilizados. Para a tradição cristã aos doze meses associamos os doze profetas, mas para a tradição pagã podemos associar vários deuses bem como passagens da mitologia.

Janeiro
Janeiro é o mês das ofertas. Note-se que em Espanha, por exemplo, os presentes de Natal só são abertos na noite de 5 para 6 de Janeiro; ou seja, quando os Magos (que se dizia na Bíblia serem também doze), entregaram as oferendas ao Menino Jesus. Por isso vemos nesta imagem uma túnica vermelha pendurada mesmo por cima do próprio Jean de Berry que se encontra à direita envergando uma túnica azul. As personagens em primeiro plano são oficiais da corte, uma vez que a obra foi encomendada pelo duque de Berry. Na parede um pouco ao lado do duque está a inscrição “approche+approche” que convida a assistência a prestar homenagem ao duque. Em cima, no arco podemos ver dois desenhos de dois signos. São eles Capricórnio e Aquário, isto porque o signo de Capricórnio tem início a 21 de Dezembro e prolonga-se até 21 de Janeiro e nesse dia começa o signo de Aquário para acabar dia 21 de Fevereiro.
Este trabalho de Frères de Limbourg, que compreende não só o mês de Janeiro, mas todos os meses do ano chama-se Très Riches Heures e é considerado o primeiro calendário.

Frères de Limbourg
Les très riches heures du Duc de Berry: Janvier (January)

1412-16
Musée Condé, Chantilly

Fevereiro
O mês de Fevereiro é ilustrado por contraste com Janeiro, como um mês de exterior. Não obstante a presença de uma família dentro de casa, não se trata de uma festa ou de uma celebração. A porta está aberta para uma paisagem inóspita, com os campos gelados a toda a volta da casa, mas com aspectos particulares. Além disso essa porta aberta deixa entrever uma actividade própria desta época: manter a casa quente, fiar, olear os instrumentos da monda e dar de comer aos animais. Em cima, o homem que conduz o burro lembra-nos que era no Inverno que as pessoas deixavam a aldeia para venderem os animais que até aí tinham criado e com a venda adquirir provisões para esse tempo de frio.

Anónimo holandês
Grimani Breviary: The Month of February
1490-1510
Biblioteca Nazionale Marciana, Veneza

Março
Neste caso a identificação de Março não é feita pelas actividades medievais próprias desse mês, mas através da alegoria de uma deusa; a deusa Minerva. Não há nada na história de Minerva que possa relacioná-la com o mês de Março, mas a verdade é que a deusa surge ao centro é Minerva, toda armada tal como quando nasceu. Do lado esquerdo da sua carruagem estão algumas personagens masculinas com papéis e livros, pois Minerva era a deusa da Sabedoria. Tanto que um dos seus atributos é a coruja. Do lado direito da carruagem podemos ver um conjunto de jovens que estão a tecer, a desenhar e recortar sob a protecção de Minerva que era igualmente, para além de deusa da Sabedoria e da Guerra, deusa das Artes e dos Ofícios.

Francesco del Cossa
Allegory of March: Triumph of Minerva
1476-84
Palazzo Schifanoia, Ferrara

Abril
Tal como na imagem que ilustrava o mês anterior e visto que esta também é de Cossa, podemos ver mais uma vez o simbolismo da mitologia a representar Março. Este mês é o mês dedicado a Vénus, a deusa do Amor e da Beleza, isto porque é em Março que começa a Primavera. Frente a Vénus está Marte que de joelhos mostra como os instintos bélicos se vergam perante o poder do Amor. Marte está até agrilhoado com correntes ao pequeno trono de Vénus. À esquerda desta cena central podemos ver pessoas que conversam e se abraçam cordialmente, rostos felizes e tudo porque em Março e como o começo da Primavera os comportamentos mudavam; pelo menos na imaginação de quem pinta. E á direita o aglomerado é de jovens com os seus instrumentos musicais. Acima deles a pequena imagem das Três Graças que representam o Amor, a Dança e a Música. A existência dos coelhos é uma referência à procriação. Ainda hoje dizemos “eles multiplicam-se como coelhos”. Em baixo temos o signo relativo ao mês de Abril, que hoje não é o Touro, mas sim Gémeos, e os seus decanos.

Francesco del Cossa
Allegory of April: Triumph of Venus
1476-84
Palazzo Schifanoia, Ferrara

Maio
Esta imagem é a que mais foge das imagens naturalistas e medievais relativas aos meses do ano. Faz parte de um conjunto de pinturas de grandes dimensões com naturezas mortas a representar cada um dos meses. Para retratar cada mês recorreu-se às plantas e alimentos associados a cada um dos meses. No caso de Maio, que é o mês das flores, o que mais sobressai nesta pintura é isso mesmo; o conjunto floral à direita disposto numa jarra que por sua vez se encontra sobre um suporte coberto com uma toalha em damasco vermelho. A rodear a jarra estão dois apetitosos cestos de frutos e vegetais. Na parte esquerda da pintura podemos ver dois cães de caça e uma arma, um pássaro numa gaiola e vários produtos alimentares associados com esta altura do ano.

Francisco Barrera
The Month of May
1640-45
Slovak National Gallery, Bratislava

Junho
Junho é o mês de Mercúrio, o mensageiro dos deuses. Apesar da imagem do deus não ser muito boa notamos que ele tem numa mão um caduceu e na outra um instrumento de cordas, que até podia ser uma lira, uma vez que Mercúrio tinha sempre consigo uma lira com a qual resolvia alguns problemas através da música que aplacava a ira dos seus adversários. Do lado direito da composição podemos notar a presença de um conjunto de pessoas junto de uma barraca como se estivessem numa feira a transaccionar, a fazer algum tipo de negócio. De facto Mercúrio era o deus protector dos comerciantes (assim como era protector dos ladrões!). Do lado esquerdo de Mercúrio vemos dois pássaros gigantes e muito negros que podiam indicar a presença da morte: Mercúrio era o deus que conduzia as almas dos mortos para o Hades. Em baixo vemos um gigantesco crustáceo que supostamente deveria ser um caranguejo pois Junho é o mês desse signo. Esqueçam que o caranguejo foi promovido a camarão e foquem-se no contexto, se conseguirem.

Cosmè Tura
Allegory of June: Triumph of Mercury
1476-84
Palazzo Schifanoia, Ferrara

Julho
Julho e Agosto são, sem dúvida, os meses das colheitas. Nesta pintura que retrata uma cena de ceifa a partir do ponto mais alto da paisagem o que é bom pois mostra diferentes extractos da actividade, podemos ver as mulheres de mangas arregaçadas com a foices e os arados na mão, grupos de jovens que levam à cabeça cestos cheios de frutos ou vegetais, embora me pareçam ser bagas, há cestos de vegetais a serem levados dali para fora, ao fundo os cavalos pastam enquanto os homens carregam os carros com feno e toda a agitação da cena indica que estamos em actividade não obstante ser um mês de calor. É claramente uma cena que retrata o mês através dos costumes da época, uma vez que as colheitas implicavam o trabalho conjunto de homens e mulheres e de pessoas que geralmente não tinham contacto entre si. Por outro lado é o momento de recolher o fruto produzido durante um ano, daí a azáfama.

Pieter Bruegel, the Elder
Haymaking (July)
1565
National Gallery, Praga

Agosto
No topo direito deste baixo-relevo podemos ver o signo que supostamente rege este signo. Na realidade o signo Virgem representado pela figura feminina no canto superior direito não é do mês de Agosto, mas do mês de Setembro. (Virgem vai de 21 de Agosto a 21 de Setembro). Mas como desconheço se existiu, ao longo dos tempos, uma alteração da forma como os signos se organizavam (até porque estão relacionados com a astronomia e por isso se o conhecimento dos astros sofreu um aperfeiçoamento, pode ser que alguma coisa na mentalidade também tenha sido alertada), deixo apenas esta constatação. A personagem do homem que apoia o rosto na palma da mão e que está sentado a descansar representa a Canícula, o ponto mais quente do Verão, uma parte desta estação em que o Sol e a estrela Sírio do Cão-Maior estão em conjunção, estão alinhados (isto não é “tanga”, é mesmo verdade).

Anónimo italiano
Allegories of the Months: August
Século XIII
Basilica di San Marco, Veneza

Setembro
Os Livros de Horas começavam sempre com um calendário no qual os doze meses eram ilustrados com cenas muito pormenorizadas e miniaturais, mostrando o trabalho que a comunidade realizava nesses meses. Nesta cena que retrata o mês de Setembro podemos ver um homem já de idade avançada a arar o seu campo enquanto um outro mais atrás e jovem, deita à terra as sementes. De certa forma vejo aqui uma analogia entre as idades dos intervenientes e o mês em si: é ao mesmo tempo um mês de esperança com as sementeiras, mas já de preparação para o Outono e posterior Inverno.

Anónimo francês
September
1524
Walters Art Museum, Baltimore

Outubro
A grande surpresa deste conjunto é “Outubro” de Tissot. Não sei se pintou este quadro por ter nascido em Outubro, ou se porque se sentiu inspirado por esta imagem que por acaso é muito semelhante a uma de Sargent. Tissot pintou sempre cenas de sociedade, bailes, passeios de barco, passeios no campo, reuniões familiares e retratos. Penso que esta senhora que recebeu cujo quadro que integra recebeu o nome de Outubro, é na realidade um retrato. Talvez um retrato de um familiar e por isso o pintor sentiu-se à vontade para fazer uma pequena analogia entre o cenário em que o inseriu e a pessoa em si. Ela é escorregadia, furtiva, parece apressada e olha para trás, tal como a rapariga do brinco de pérola de Vermeer assim que ouve o chamamento de alguém. Mas prossegue o seu caminho. As folhas no chão são o que nos indica que Tissot pintou Outubro. Socorrendo-se do mesmo artifício para os outros meses, não sei se ia longe. É que se há meses do ano que identificamos com a queda da folha, os frutos nas árvores e as flores nos canteiros, os cereais a serem ceifados e a neve, por exemplo, há outros em que isso não acontece, para além de esta divisão poder ser (e é) cada vez mais aleatória pois as delimitações entre as estações do ano já não obedecem a nenhum “Borda d’Água”, a nenhuma cartilha nem à sabedoria dos provérbios (“Em Maio come a velha as cerejas ao borralho”. Quando é que em Maio ainda se acendem lareiras?).

James Tissot
October
1877
Montreal Museum of Arts, Montreal

Novembro
Novembro é representado pelo “Regresso do Rebanho” de Bruegel. Mais uma vez podemos observar que as pessoas são apenas parte da paisagem. Ajudam para dar-lhe vida e para nomear o que é retratado, mas a dimensão do fundo, das árvores, dos campos, das nuvens, da neve, dos rios, nas pinturas de Brugel, é esmagadora face à dimensão das pessoas. Bruegel parece mesmo escondê-las na vegetação, camuflá-las com roupas cuja coloração não foge muito da da paisagem. Novembro era o mês em que o gado regressava ao seu pouso, depois de um período onde podia pastar nas pastagens de Verão, bem mais férteis em outras paragens. Nota-se que momentos de recato se aproximam: as nuvens bem negras no céu começam a tomar conta da imagem, as árvores estão já despidas, a paisagem é inóspita e as cores fundem-se como se não houvesse vida.

Pieter Bruegel, the Elder
The Return of the Herd (November)
1565
Kunsthistorisches Museum, Viena

Dezembro
Esta imagem mostra todo o ano litúrgico, incluindo os dias santos, os dias de Ofícios e as festas religiosas. E foi praticamente esta página que sobrou do calendário do Breviário de Belleville, justamente a página relativa ao mês de Dezembro. No topo, dentro do arco, uma figura corta uma árvore, talvez para ter lenha para se aquecer durante o mês frio de Dezembro. Cá em baixo duas figuras – uma delas um dos profetas que dá a um dos apóstolos uma profecia enquanto ao mesmo tempo vai tirando uma peça, um tijolo da Sinagoga por mês. Como estamos no mês de Dezembro é natural que agora a Sinagoga seja apenas uma ruína. A relação entre a arquitectura e a religião não se fica por aqui nesta iluminura. Voltamos acima e lá está Nossa Senhora a abrir-nos aquilo que parece ser a porta de uma catedral. Na mão traz uma bandeira com um corpo a erguer-se do túmulo.

Jean Pucelle
Belleville Breviary: December
1323-26
Bibliothèque Nationale, Paris

1 Comments:

Blogger João Barbosa said...

por acaso não me consegue enviar estas imagens sem os quadradinhos para o email? ficar-lhe-ia muito grato. desculpe se abuso

1/8/08 2:49 da tarde  

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