- ars longa, vita brevis -
hipócrates
antes e depois ou “toma lá Poussin” ou “como está-se mesmo que a ver que eles estão bem um para o outro. Este quadro foi pintado por Poussin enquanto trabalhava em Roma para o Cardeal Richelieu, não para a sua residência na mesma cidade, mas para o Cabinet de la Chambre du Roy do Château do Cardeal em Poitou que era também abrigo de obras de Mantegna e Perugino Vê-se que o cardeal, à excepção dos Mantegna não era dotado de muito bom gosto: Perugino? Poussin? Mas que é isto? Este local, o tal Cabinet foi um “presente” do Cardeal ao Rei Luís XIII. Poussin pintou o “Triunfo de Pã” sabendo que iria ser colocado em lugar com alguma altura e que o mesmo estaria decorado com motivos marinhos e ricamente ornado o que deve ter sido difícil para o pintor, uma vez que era impossível tornar boa uma obra de arte num local daqueles, um panegírico marítimo ataviado de vasos, bustos e uma mobília dentro do estilo. Nada de preocupante, uma vez que Poussin que já não era muito bom, limitou-se a ser ele próprio. De facto era difícil ser ainda melhor, ou ser pior do que aquilo que era, tendo como pontos de comparação na mesma sala as pinturas de Mantegna. Felizmente a sala foi desfeita e as suas partes divididas pouco após o quadro de Poussin estar terminado. O artista (e como me custa chamar-lhe artista!) não fez por menos: para vilão, vilão e meio e vai daí toca a dar à pintura as cores mais brilhantes que alguma vez as suas pinturas possuíram.
Poussin construiu um quadro muito estranho pois a paisagem parece ter continuidade, mas a cena não. Este triunfo de Pã, esta celebração fica confinada ao que Poussin lhe deu e por isso as personagens estão um bocadinho asfixiadas. Aquilo está a puxar para o claustrofóbico. Comecemos pela base: no centro da composição, em baixo, podemos ver duas máscaras (uma é a máscara de sátiro da Antiguidade e outra é a máscara de Columbina, da dramaturgia italiana.), Atrás está a máscara de Polichinelo numa natureza morta composta por vasos com uvas, a flauta de Pã, um jarro de vinho e pinhas. A flauta de Pã ou syrinx em grego tem uma história muito bonita. Pã, deus grego das manadas, dos rebanhos, das montanhas e de toda a paisagem selvagem andava, como era seu costume, a perseguir e conquistar jovens ninfas. Um dia estava a espiar Siringe (daí o nome grego da flauta de Pã ser syrinx), quando a abordou e lhe perguntou se ela acedia a passar a noite com ele. A jovem disse que não e fugiu, mas Pã foi no seu encalço e apanhou-a na margem de um rio. Siringe desesperada pediu às ninfas que a salvassem e no momento em que Pã a agarrou ela transformou-se numa cana. Pã desiludido suspirou e o ar que se soltou da sua boca, ao entrar na cana fez um som que agradou ao deus. Pegou então na cana e cortou-a em várias canas mais pequenas mas de tamanhos diferentes, que uniu umas às outras criando assim a flauta de Pã.
No quadro de Poussin, Pã encontra-se lá atrás, com o rosto afogueado de vermelho que indica que o deus terá bebido demais. As pinturas de Pã ou relativas à sua vida retratam muitos episódios da mesma e esta aqui, embora não retrate nenhum em concreto, fala de vários elementos associados à existência do deus. O deus está de certa forma disfarçado de Príapo, o deus fálico protector dos jardins e representante da fecundidade da Grécia Antiga. Por isso Pã apresenta um pouco dos dois, de si próprio e de Baco que quando morreu desceu ao Hades e sazonalmente voltava à vida para a renovação dessa mesma vida. As linhas e força e a forma como cada uma das personagens se encontra no espaço deve muito a uma gravura de um pupilo de Rafael chamado Giulio Romano. E as personagens que vemos no quadro de Poussin já se encontravam antes no “Bacchus and Ariadne” de Ticiano: ninfas, sátiros com flores na cabeça, coroas com folhas de videira, cestos com uvas e crianças pequenas com quem parece existir uma pequena liça. Pã representava um “amor lascivo” e o Cupido representava o “amor puro”. Ao lutarem corpo a corpo, e geralmente vence o Cupido, dá-se corpo à alegoria “O Amor conquista a Luxúria” mas também à alegoria latina “Amor vincit omina” (“O Amor tudo vence”). Dizem, não sei:”
Nicolas Poussin
The Triumph of Pan
1636
National Gallery, Londres
Eleanor Antin
The Triumph of Pan
2004
San Diego Fine Arts Museum,San Diego
Ticiano
Bacchus and Ariadne
1520-22
National Gallery, Londres
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