sexta-feira, junho 27, 2008

- o carteiro –
morte: o último tabu I
A difusão das mascaras de morte ou caveiras na arte é um fenómeno que vai desde o véu de Verónica (não confundir com o Santo Sudário. Verónica foi a mulher que, durante a Via Sacra e num momento em que Cristo caiu, chegou até ele com um pano e lhe limpou o rosto. A imagem é bem conhecida de qualquer beato profissional, ou de qualquer curioso que entre numa igreja: em cada um dos altares laterais até à nave existe uma representação da vida de Cristo bem como da vida do padroeiro da igreja. O episódio da Verónica, retratado quase sempre com Cristo ajoelhado vestindo túnica roxa, uma cabeleira em canudos preta e carregando a cruz, não prima pelo bom gosto, mas deve fazer as delícias do secularismo. Verónica vem do latim e quer dizer “Vero Ícone”. Talvez seja por isso que santa Verónica é a padroeira dos fotógrafos, aqueles que captam a verdadeira imagem.), desde o véu de Verónica, como dizia (às vezes perco-me), até Damien Hirst ou se quisermos, até ao vídeo da música “Two Hearts” de Kilye Minogue onde o microfone é uma caveira.

Damien Hirst
For the love of God
2007

A caveira não será um objecto de arte, mas o seu uso está, como pretendo demonstrar, na moda. Desde sempre esteve. Aliás, a morte de Cristo, bem como a sua vida, foi pródiga em renovar e avivar os símbolos dessa mesma morte. Falámos da Verónica e do Santo Sudário, em muitas representações do rosto quase esquelético de um Cristo moribundo e flagelado até ao limite aceitável principalmente na arte bastante ortodoxa dos países baixos, mas também em representações de naturezas mortas, de São Jerónimo, e já fora do âmbito da arte sacra, ou da arte com inspiração nos ensinamentos religiosos, as máscaras da morte de James Ensor ou a caveira que descansa em anamorfose no tapete de “Os Embaixadores” de Holbein. Seja como for, para a arte Ocidental, a caveira vai estar sempre relacionada com a religião, com a vida de Cristo ou dos santos, com a culpa e com a morte. Há uma mais valia dos países europeus face à teórica hegemonia religiosa dos Estados Unidos no que à arte concerne. Apesar da diversidade de cultos no país, a verdade é que cada um desses cultos procura, na sua zona de influência, limitar a interacção entre a história da religião e a arte. Na Europa, com muitos ou poucos ateus, com muitos ou pouco agnósticos, não se pode ignorar o papel primordial que a religião teve na criação artística. Diga-se antes “goste-se ou não se goste”, as raízes da arte europeia estão fundadas no terreno da religião e a ninguém passaria pela cabeça de ninguém o veto da escolha pessoal da crença na teoria evolucionista ou criacionista. Voltando a Hirst e às caveiras cobertas de jóias, pode dizer-se que a grande influência desses artistas são no fundo as peças de arte pré-columbiana que podemos encontrar no British Museum.


Daniel Johnston
In Hell there are no friends
2001


No entanto, e apesar de não ser, como disse, um tema recente na arte mundial, a representação de caveiras teve nos últimos anos um novo fôlego que é tanto um recuo aos primórdios da arte, como é uma incursão pelos universos alternativos do gótico e mesmo uma crítica social relacionada com essa apologia da morte na arte sacra e com a banalização do desrespeito pela vida humana nos mass media. A difusão de caveiras enquanto imagens com algum conteúdo eram já uma realidade em t-shirts e pins pelo menos no contexto do movimento punk. E mesmo quem não considerava pertencer a esse grupo, usou, mais cedo ou mais tarde alguma peça de vestuário ou acessório com uma caveira. É talvez a visão moderna e a homenagem actual ao culto funerário. Mesmo antes da caveira de Damien Hirst coberta de 8601 diamantes e vendida por 20 milhões de euros, Bruno Peinado e a sua Vanity Flightcase havia coberto uma caveira com brilhantes ou diamantes. Colocada sobre uma mala e dentro de um espaço semelhante a uma discoteca, é uma clara alusão às novas “vanitas”.
Bruno Peinado
Vanity Flightcase
2005


Igualmente curiosa é a caveira de Taku Anekawa, “Ito_docuro”, uma caveira que é apresentada como fruto de um negativo, uma vez que ao contrário do que costuma acontecer, a caveira é negra e os orifícios é que estão a branco.

Taku Anekawa
Ito_docuro
2005

Mais paradigmática e menos dada a interpretações várias é a obra de Gastón Pérsico denominada “Heavy Metal Vol. 666 (Nietzsche). Aqui a caveira é directamente relacionada com as forças do mal e com o Anti-Cristo – daí a inclusão de fotocópias do livro “O Anti-Cristo” de Nietzsche e também com outras alusões menos imediatas. Podemos ver como na base dos livros estão dispostos alguns pintainhos de peluche. Quem se lembra dos Kiss, o grupo musical cujos membros actuam com o rosto pintado em tons preto e branco, e desenhos muitas vezes semelhantes a caveiras (o seu estilo musical é o heavy metal e daí a relação com o título da obra), lembra-se também que um certo mito urbano – não sei se já confirmado ou não – referia a prática comum dos membros da banda nos seus concertos de pisarem pintainhos vivos.
Gastón Pérsico
Heavy Metal, vol. 666 (Nietzsche)
2007
Várias actualizações podem ser feitas e este texto: o novo filme de Indiana Jones tem por título “Indiana Jones e o reino da caveira de cristal”, Grayson Perry, um artista britânico decidiu representar a Grã-Bretanha através de uma caveira coberta de símbolos turísticos do seu país tais como o rosto da rainha, os autocarros, a torre de Londres, a bandeira e Ana Bolena, entre outros. Supostamente a caveira representa o fim do Império. O seu conterrâneo Stephen Gregory reclama no entanto que as suas caveiras são diferentes porque ao contrário de Hirst que trabalhou diamantes sobre platina, Gregory trabalhou pérolas e lápis-lázuli. Mais: a de Gregory tem olhos, supostamente para poder olhar para trás, enquanto a de Hirst, diz ele, é tão cheia de brilho que ofusca os olhos dos outros. (Seja como for, a caveira de Hirst já ficou para a história ). A caveira associada à morte que por sua vez está associada à velhice e ao fim do ciclo da vida é fonte de atracção para os mais novos. Não obstante a sua repetição muitas vezes incipiente, a postergação da caveira é um sinal de que o artista de hoje é também aquele que trabalha com outras músicas.

Grayson Perry
Head of a Fallen Giant
Victoria Miro Gallery



Stephen Gregory

3 Comments:

Blogger João Barbosa said...

sempre em grande forma

27/6/08 10:06 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

mais devagar. estou com a cabeça a andar à roda

28/6/08 1:00 da manhã  
Blogger Belogue said...

caro joão barbosa:
vamos a ver no que isto dá.

ana: tira-se já a cabeça e arranja-se forma de colocá-la a rentabilizar numa galeria.

30/6/08 6:03 da manhã  

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