terça-feira, janeiro 29, 2008

- o carteiro -
um "café" e um bagaço...
Só há uma coisa pior que pipocas no cinema: um casal de namorados a dar beijos repenicados. Só há uma coisa pior que um crítico de teatro atrás de nós a buzinar no nosso ouvido: dois críticos de teatro atrás de nós a buzinar no nosso ouvido. Felizmente calaram-se e a peça começou sem grandes percalços, excepto… excepto no casal de namorados que estava ao lado e que não achando o local próprio para trocar beijos repenicados, tomou-o como certo para se darem ares de críticos de teatro.

Há que realçar algo: as peças de teatro não podem ser tão longas ou se longas, que se faça o devido intervalo. Mesmo em prejuízo da continuidade do espectáculo e em detrimento do texto que não deveria ter pausas, por aquilo que me foi dado a perceber, ou se encurta o texto, ou se coloca o intervalinho. Parece-me até uma vaidade dos actores e encenadores acharem que a sua actuação e encenação é tão boa que não necessita de pausas. Pois não é. O criado ainda que conseguisse arrancar algumas gargalhadas ao público, tinha todos os tiques e repetia-os. E não me parece que tivessem sido construídos para a personagem, mas antes adquiridos já ao longo do tempo. Bem sei que a observação é injusta pois se o mesmo acontecesse com actores consagrados o facto seria tomado como estilo e não vício.
O patrão e dono do “Café” esteve bem, mas a personagem não exigia mais dele. Melhor esteve D. Márcio que tinha um papel próprio para a sua compleição. Ou ele é que era perfeito para o papel. O texto é irónico: toda a acção é passada num café em Veneza (daí a presença da água no chão, usada como elemento cénico e sonoro e que até agora não percebi por onde escoou uma vez que surge imediatamente na primeira meia hora da peça e por ali permanece ajudando muitas vezes a encobrir movimentações no cenário e de pessoas. Nesse café, como em todos os de hoje, ou quase todos que o Starbucks deve estar a chegar, tudo se sabe e a vida de um casal que vê o seu casamento arruinado pelo jogo e pelos mexericos, é nele decidida. O texto de 1750 e da autoria de Carlo Goldoni foi encenado por Giorgio Barberio Corsetti que deve ter visto alguma Revista portuguesa. Isto claro, sem contarmos que não é a primeira vez que os actores de Ricardo Pais cantam no palco, para desconsolo de alguns espectadores. Também não é a primeira vez que um músico mais ou menos conhecido intervém na peça, como já tinha acontecido com o D. João (se não me engano). Neste caso foi Vítor Rua que toca guitarra eléctrica para alguns dos solos. Foi uma encenação à Ricardo Pais com sotaque italiano. Não desagrada, mas esperava-se outra coisa, algo diferente.
Quando refiro a hipocrisia do texto que de certa forma se propaga a quem vê na forma como julga a personagem acossada no final, falo de uma desresponsabilização do cidadão comum pelos seus erros: o homem que foge de casa e deixa em mulher em cuidados, que assume outra personalidade e quase a tenta matar quando ela vai em busca dele, encontra uma epifania redentora pela revelação minimizadora de que o seu acto foi alvo de uma fuga de informação, de uma coscuvilhice. No fim todos abanam a cabeça, mesmo os que se odeiam e colocam as culpas de duas horas e meio de intriga num só personagem. O casal de namorados, aka críticos de teatro ao lado, quase batiam palmas enquanto as janelas do bairro se fechavam a D. Márcio, o que até me pareceu injusto mas talvez propositado. Penso que o encenador queria que ficássemos todos tão cínicos quanto os que lá estavam, mas penso também que queria que percebêssemos o nosso cinismo. Ou que não emburrássemos, mas percebêssemos a burrice de quem lá estava. O trabalho de guarda-roupa não estava nada que pudesse ser digno de registo embora se pudesse identificar a época que se pretendia retratar (anos 60/70). Este trabalho também permitiu a hierarquização das personagens: os que servem, os que usam o avental são os honestos, ou outros não têm esse privilégio. Só há um momento em que as roupas são trocadas e uma das personagens veste uma farda de empregado de café, representando esse momento aquele em que a mesma personagem se prepara para mudar a sua vida.

3 Comments:

Blogger AM said...

adoro estas suas críticas de teatro
são muito... repenicadas

29/1/08 10:31 da manhã  
Blogger Belogue said...

isso é bom ou é mau?

29/1/08 11:29 da manhã  
Blogger AM said...

já apanhei (que lento...) é uma pergunta com uma repenicadela retórica

29/1/08 7:53 da tarde  

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