sexta-feira, dezembro 07, 2007

- ars longa, vita brevis -
hipócrates
Não gostando especialmente de Rubens, gosto muito de uma das pinturas deste post. Quase que se podia dizer que era de Caravaggio, o que se Rubens soubesse até podia encarar como um elogio. Mas enfim, mestre só há um e teremos de nos contentar com uma piada de Rubens.

No primeiro quadro Rubens mostra-nos uma cena comovente que Caravaggio também pintou, não sei se antes, se depois, mas pintou. Rubens era um protestante e religioso activo, fervoroso numa altura crucial para o protestantismo e que foi a Contra-Reforma. O quadro não tem a carga irónica que Caravaggio conseguiu obter, mas capta efeitos de luz e sombra, iluminando e tornado de um branco marmóreo o cadáver de Cristo, ainda com a boca aberta. Tal como Caravaggio, Rubens humanizou Cristo, talvez porque o protestantismo se identificasse com essa visão da religião.

Rubens
The Entombment

1611-12
National Gallery of Canada, Ottawa

A versão de Rubens desta passagem da vida de Cristo, sem a influência de outro pintor, chegou mais tarde, em 1615. É uma versão mais “estreita” porque obriga as personagens a concentrarem-se num espaço mais pequeno, mas ao mesmo tempo, dá-lhe mais altura, por isso há personagens que ficam acima da terra e outras, como Cristo que tem o corpo quase todo abaixo do nível dos outros personagens. O número de intervenientes é maior, mas nem por isso parecem estar a conseguir. E o corpo de Cristo também muito branco é quase um ar que está no quadro, não tem espessura. As cores utilizadas são mais vivas e parece mesmo haver referências ao Oriente no turbante de José, pai de Jesus que o segura em baixo. Mas também são cores mais difusas, cores que se misturam com o fundo. Enquanto no outro quadro o braço de Cristo estava pendente e do outro não se sabia, não estava visível, aqui estão os dois visíveis e Cristo aparece com os braços aberto, em cruz com o tronco. À direita Maria Madalena prossegue o seu trabalho e como se assim fosse possível ressuscitar Cristo, lava-lhe os pés com as suas lágrimas e seca-os com o seu cabelo. O quadro é bom até porque mostra o momento em que Rubens assume um tema que até aí só tinha pintado pelo ponto de vista de outro pintor. Mas o que eu gosto mesmo e que, enfim, me fez postar isto, confesso, é a perna de José de Arimateia de bota calçada a segurar as costas de Cristo. O quadro não está só realista, como também socialista!

Rubens
The Entombment

1615
Courtauld Institute, Londres