- ars longa, vita brevis -
hipócrates
hipócrates
É difícil estabelecer o paralelo e também não quero que este pareça forçado, mas a verdade é que tudo indica que sim, que Yinka Shonibare e Hogarth andam de mãos dadas no trabalho. Quer dizer, Shonibare terá dado a mão a um morto e ainda que eu não goste muito do senhor por ter trabalhos pertencentes à colecção Sindika Dokolo (mais uma vez o julgamento ad hominem), tenho que admitir que se está a sair muito bem. Não é pela sua “aproximação ao Ocidente”, é pela forma como interpreta esse modelos ocidentais que são para nós inquestionáveis. Ele joga os estereótipos convencionados sobre a raça, o género, a cultura e a classe social, desconstrói-os (esta palavra pode querer dizer qualquer coisa, mas Shonibare olha para eles sem o filtro com que nós olhamos. Por exemplo, para um ocidental as reuniões de família são em casa. Para um negro inglês as reuniões de família podem ser como as que se fazem ou faziam em África: à porta de casa, cá fora, no chão). Mostra-nos então como esses conceitos de raça, género, e classe social são produzidos para nosso deleite, mostra-nos como não fazem sentido (prova disso foi a dificuldade que eu tenho de explicar o que é a minha realidade de branca e a realidade dele enquanto negro). E como é que faz isso? Pega em pinturas modelo, as tais que falei e que neste caso foram de Hogarth e Fragonard (com Fragonard Shonibare é repetente) e encena-as mudando a cor de pele dos intervenientes, adoptando um tempo intermédio que não está nem no século das pinturas nem no século dos intervenientes. Situa-as na época victoriana devido à repressão aristocrática e social perante formas de pensar já bastante ousadas. Os dandys eram uma expressão desse desejo de libertação. No entanto, e apesar das roupas e dos cenários, os figurantes são híbridos, envergando fatos de materiais e cores próximas das usadas pela classe média africana durante os anos 60 e 70, misturando elementos dos trajes típicos da Indonésia, Inglaterra e Alemanha, símbolos dos mitos africanos, etc...
Recapitulando: Shonibare desconstrói os modelos ocidentais fazendo uma reinterpretação dos mesmos. E consegue isso aludindo a uma época de repressão que ele transgride, às suas raízes africanas e às raízes da própria África que foi colonizada por outros povos.
O conjunto de fotografias “Diary of a Victorian Dandy” são as que melhor representam o que acima foi escrito. Trata-se de um conjunto de encenações em partes diferentes da casa, cada qual com uma hora do dia e que estão associadas quer na temática quer na forma (embora de uma maneira muito trabalhada e que obriga o olho a uma comparação constante) obras de Fragonard e de Hogarth. A relação com este último é mais visível no conjunto de oito pinturas de Hogarth denominado “The Rakes Progress” e no qual encontramos semelhanças com as fotografias de Shonibare.
Tom Rakewell, o filho de um negociante recém arruinado chega a casa depois do seu precurso acidentado. A cena está repleta de detalhes que mostram que a riqueza está a pouco e pouco a abandonar o lar; ou seja, a família continua a gastar para além das suas possibilidades. Nesta cena, o homem que está atrás de Tom continua a roubar dinheiro da família. Tom fala com Sarah Young, a noiva grávida que segura na mão um anel. A mãe tenta que ela o devolva.
William Hogarth
The Rake's Progress: 1. The Rake Taking Possession of his Estate
1734
Courtesy Sir John Soane's Museum, London
Yinka Shonibare
Diary of a Victorian Dandy 14:00 h
1998
Esta terceira cena situa-se na Rose Tavern, em Covent Garden. Tom, à direita, está bêbado, fazendo um eneorme contraste com as outras poses. A música que está a ser tocada aproxima-se mais dos gostos pessoais de Tom do que a Ópera, a música que estava a ser tocada na cena dois deste conjunto. Está também rodeado de prostitutas com quem gasta o dinheiro.
William Hogarth
The Rake's Progress: 3.The Rake at the Rose-Tavern
1734
Courtesy Sir John Soane's Museum, London
Yinka Shonibare
Diary of a Victorian Dandy 03:00 h
1998
3 Comments:
das melhores postas que já lhe li
que-e-xa-ge-ro! eu até pensei que me ía dizer "beluga, beluga, um bocado rebuscado, não acha?"
náá
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