quinta-feira, outubro 25, 2007

- o carteiro -
70 anos de uma burrice monumental
Há 70 anos atrás Munique podia apreciar a exposição da Entartete Kunst; ou seja, a exposição de arte degenerada. O terceiro Reich que tinha uma forma muito eficaz de açambarcar a “boa arte” e desfazer-se da “má arte” de forma sempre lucrativa, organizou a exposição da arte degenerada cirurgicamente. Formavam-se filas intermináveis em redor dos edifícios escolhidos para a exibição que acabou por fazer uma “tournée” devido ao sucesso da mesma. Foram três milhões de visitantes! Sempre achei que o sucesso da mesma dependia da adesão à exposição, do número de visitantes, mas apesar de me confrontar com opiniões contrárias, quem não me garante que as multidões eram movidas mais pelo temor e pelo respeito a uma política que se fazia impor pela força das armas, do que pelo verdadeiro asco a obras de arte fora dos cânones impostos pelo regime nazi?

Os 650 quadros encavalitavam-se uns nos outros nas paredes pouco dignas do local de exposição, isto como forma de punir os seus pintores e destituir as obras da sua dignidade, da oportunidade de serem apreciadas num espaço onde fosse possível respirar. Tal como numa feira o artigo não é valorizado e sozinho numa montra bem iluminada é, o regime nazi conhecia a forma correcta para evidenciar a parte que mais lhe aprazia da questão artística da época. As paredes estavam pintadas com insultos aos artistas e à sua arte.

Com uma máquina que compreendia o Einsatzstab Reichleiters Rosenberg (organismo alemão responsável pela maior parte da pilhagem de obras de arte em França), o Reichmarshall (marechal do Reich), o Kunstschutz e outros organismos cuja denominação e membros foi sendo alterada sempre que se impunha um interesse individual superior, foi possível organizar esta exposição. Compreensivelmente para nós, a arte preferida dos membros do partido nazi focava-se na arte que evidenciava a força e supremacia do Homem perante os elementos da Natureza que se mostrassem adversos, perante a crença sem a razão implícita na religião, na arte que mostrava uma Alemanha no auge do seu primado. Para o regime nazi a Arte deveria ser orientada para reflectir a sua Weltanschauung ; ou seja, a sua maneira de ver o mundo segundo os seus objectivos de dominar o mesmo. Falei já do episódio de o Astrónomo de Vermeer que Hitler tanto cobiçava sem se dar conta que havia um quadro dentro do quadro e esse pequeno quadro pendurado na parede do escritório do astrónomo retrata a cena bíblica de Moisés apanhado das águas. E como se sabe foi Moisés quem escreveu o Pentateuco, os cinco primeiros livros que estão na base do Judaísmo. Numa outra ocasião Hitler apreciou muito Leda e o Cisne de Correggio, mas não conseguia pronunciar uma palavra perante o erotismo da pintura. Falava apenas do jogo de luzes e este tema mitológico acabou por se tornar uma obsessão para o ditador. Ainda de referir que Hitler apreciava o mais transgressor de todos os artistas; Caravaggio. Gostava muito de S. Mateus e o Anjo, mas não compreendia a ironia presente na pintura. Assim, com muita pena nossa (um pouco mais de informação não teria ocupado lugar naquelas cabecinha bélicas), o ditador não tinha o mínimo gosto para arte e era definitivamente preconceituoso.

Otto Dix
The Journalist Sylvia Von Harden
1926
Georges Pompidou Center, Paris


Obras pertencentes a galeristas judeus eram de imediato confiscadas e nem a zona livre de Vichy permitiu que muitos quadros fossem destruídos ou mesmo levados para parte incerta (alguns estão a ser encaminhados para os seus donos, outros ainda estão a ser identificados, enquanto muitos permanecerão para sempre sem rasto isto porque após a crise económica de 1930, o mercado da arte desvalorizou muito. Num cenário de pós-guerra as pessoas ligadas à indústria de guerra tinham muito dinheiro para gastar, mas nenhum sítio ou bem para o fazerem. Assim, compravam o pouco alimento disponível ou compravam arte. Daí que seja muito difícil definir o paradeiro dos quadros.

Os primeiros quadros a serem rotulados de arte degenerada eram os de pintores judeus bem como de pintores que se dedicavam à Arte Moderna: Picasso, Braque, Matisse, Chagall e Max Ernest, entre outros. Todos aqueles que pudessem representar movimentos como o Cubismo, o Dadaísmo, o Surrealismo e o Expressionismo. Hitler dizia: “Qualquer pessoa que pinte e veja um céu verde e uma planície azul devia ser esterilizada”. O ditador que em jovem tinha desejado ser pintor nunca ingressou na Academia de Artes…

Ernst Barlach
The Avenger
1914
Tate Gallery, London

Voltando à exposição, não se sabe o que aconteceu com muitos desses quadros que tão mal ornavam as paredes das salas frias. Uns terão sido destruídos, outros recuperados pelos esquemas paralelos que a resistência efectuava e que permitiu a catalogação e surripianço de obras à fatalidade de um triste destino, outros passaram por um esquema estranho de confiscação, venda e compra – a mesma obra podia ser confiscada, vendida e adquirida de novo pelo Reich. Não que os signatários nazis valorizassem esse tipo de arte, mas era um investimento garantido. É também um sinal da de ordem que reinava nos diferentes organismos encarregues de confiscar as obras de arte: a memória não era suficiente para compreender um objecto extorquido e por vezes que mandava confiscar nem sequer via o que era confiscado. Um outro conjunto de abutres que pairava entre a neutralidade e o apoio à Alemanha, fazia assim o negócio possível em tempo de guerra. Estima-se que somente em França tenham sido roubados cerca de cem mil objectos de arte e cerca de um milhão de livros e manuscritos.


Max Beckmann
The Skaters
1932
Minneapolis Institute of Arts

1 Comments:

Blogger João Barbosa said...

Infelizmente nenhuma desta arte degenerada figura na minha mini colecção.

25/10/07 9:50 da manhã  

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