segunda-feira, agosto 27, 2007

- o carteiro -
Caro AM:
Em meu entender o uso da tinta directa na tela começou com os impressionistas. Como já tinham ultrapassado todas as questões bizantinas que dividiam a classe artística entre os movidos pela razão e os que se regiam pela emoção (o lado direito e esquerdo do cérebro), e como é sabido, foram os primeiros a explorar a técnica. Em Van Gogh isso foi sempre uma característica da própria pintura. Talvez por isso seja tido como pós-impressionista e não como impressionista. Preparava a tela com camadas sucessivamente mais espessas de uma cor base, pintando em seguida com pequenas pinceladas que não sei de eram o resultado de mistura de cores, mas que eram de certeza o caminho traçado pelo artista para uma nova forma de ver a arte. Acabou aí as telas limpinhas com sfumatto (à excepção de movimentos como o Simbolismo). As pinceladas tinham a espessura exacta do pincel e não se procurava disfarçar isso. Com pequenos toques obtinham-se manchas de cor que só à diatância e sabendo da capacidade da retina em percepcionar uma mensagem quando as partes que formam o todo se unem, Van Gogh abriu caminho para Seurat, para o pontilhismo e para o Divisionismo.

Mas julgo que pretendia era que eu falasse (escrevesse) sobre uma técnica chamada de Empastado (Impasto), muito usada por Auerbach, De Konning e Yeats no que se refere ao uso das tintas (acrílicos ou óleos) muito espessos, ou por Riopelle, no que se refere à aplicação da tinta com uma espátula. No caso de Riopelle que começou fortemente influenciado pelos surrealistas e pelos expressionistas, a evolução foi natural. Abandonou o tema ou qualquer uma das duas teorias dos movimentos referidos, para se concentrar na técnica apenas para conseguir novas texturas. Trabalhava com a espátula por cima de tinta escorrida e tanto aplicava mais tinta como gessos. Em Riopelle, parece não haver qualquer interesse: não há um tema, um objectivo, um centro de atenção, as telas não começam nem acabam, mas têm a mais valia de estarem mais perto da natureza do que muita pintura de plein aire, exactamente por essa aplicação dos materiais directamente na superfície de trabalho conseguindo diferentes texturas. Talvez tenha sido isso que levou Riopelle a enveredar mais tarde pela escultura (se gosto? Não. mas consigo ver as obras de Riopelle como obras de arte, uma vez que pensou e fez).

Jean-Paul Riopelle
La Tique
1954
Kitchener-Waterloo Art Gallery

Quanto a De Kooning, foi influenciado por Pollock, mas antes disso pintou fez pinturas realistas. Afastou-se cada vez mais do realismo ou do figurativismo e passou a concentrar-se numa das técnicas de Pollock: o quadro deveria ser a expressão imediata dos espasmos fiscos, dos movimentos do artista, do seu humor. Convém dizer que Kooning não se considerava expressionista abstracto e que de facto, mas suas obras e ao contrário das de Riopelle, há a visão de um mundo colorido onde identificamos algo do nosso mundo. Ou pelo menos podemos ambicionar fazer a ligação. (se gosto? Sim)
Willem De Kooning
Mulher VI
1953
The Carnegie Museum of Art

Depois de Van Gogh e dos pós –impressionistas , a verdade dos materiais não foi ocultada em detrimento do tema ou da teoria subjacente a um artista só ou a um movimento. E isso para mim é que é importante. Se é possível, se alguém pinta com a tinta crua saída directamente do tubo para os mais variados suportes e chama a isso arte ou técnica artística, não me incomoda. No momento em que alguém pensa nisso, sendo uma “boa ideia” ou não (lucrativa, chocante, original…), e o coloca em prática, já está a conceber um objecto artístico. Não pode é fazer como o ovo de Colombo e depois dizer, como muitas vezes se ouve “isto também eu fazia”. Ou acha que toda a gente que vai a museus e exposições sabe exactamente o que está a ver? E quantas vezes não tem de saber pois é uma expressão do artista que chega ao público numa percentagem residual face à totalidade do que era pretendido?

2 Comments:

Blogger AM said...

Foi cê que pediu... por acaso até não m'alembro de ter pedido este vinho do porto, mas bebi com o mesmo prazer...

"monday, monday" (so good to me)

27/8/07 10:38 da tarde  
Blogger Belogue said...

então não conduza. mas volte sempre que para a próxima teremos um cálicezinho de aguardente.

28/8/07 12:43 da manhã  

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