segunda-feira, julho 30, 2007

- o carteiro -
Caro AM:
Aproveito o comentário para lhe “dar a resposta” em jeito de post. Começo pelo fim: obviamente o Alentejo teve e tem exemplos de arquitectura barroca. Não lhe posso dizer quais são em concreto (teria de consultar os apontamentos), mas teve. O que aconteceu no Alentejo, assim como em Braga, Porto, Aveiro e Coimbra foi que a arquitectura barroca se manifestou de forma diferente daquele que a proximidade dos grandes centros proporcionava. Sejamos sinceros, não temos uma arquitectura tipicamente italiana; não temos Borromini, mas temos a adaptação possível ao contexto nacional. Em Lisboa temos Sta. Engrácia, no Porto os Clérigos (só para dar dois exemplos mais conhecidos). Pois então e o Alentejo? E o resto do país/reino? O que se pode verificar é a existência de pequenos núcleos com carácter quase regional nas cidades referidas. O Barroco português caracteriza-se (ou “caracterizava-se”, nunca sei qual o tempo verbal a utilizar) por três tipos de construções: ou de raiz, própria dos grandes centros, ou aproveitando pré existências e dando-lhes o devido revestimento barroco (não é de desdenhar, a arquitectura tanto é o que está dentro como o que está fora. Este tipo é mais comum no Norte do país), ou ainda, de raiz optando neste caso por edifícios de pequenas dimensões e assentes em planta poligonal centralizada (circular, quadrada, pentagonal, hexagonal e octogonal). Estas últimas mais pobres, mas formando um núcleo curioso nas regiões referidas. Alentejo incluído. Deixo-lhe aqui o exemplo da planta de uma igreja em Elvas cujo nome não recordo.


Dizer que o Barroco não teve repercussões no Alentejo, é semelhante a dizer que na Idade Média, idade das trevas, não houve espaço para a arte, esquecendo com isto as iluminuras, por exemplo, ou o desenvolvimento das guildas. Ou até semelhante à atribuição do epíteto de “maior período da História da Arte” ao Renascimento obnubilando o facto da escultura de Donatello não ter expressão e dos quadros de Pinturrichio ficarem a dever muito ao bom gosto. Nada que apague grandeza do Renascimento nem a escuridão da Idade Média.

Quanto à comparação com a pintura Mariana in the Moated Grange do Millais, como disse foi só uma comparação do espaço: um banco frente a uma janela com vitrais, duas jovens… Reconheço as diferenças, não era suposto ser um “antes e depois”, mas tenho para mim que este tipo de pintura, deste espaço em concreto era muito comum. Só não descortinei ainda a importância que o mesmo tinha dentro da casa.

E agora o Gótico em Itália… Reitero o que escrevi acima: limitar o Gótico à França, Inglaterra e Alemanha seria um erro, mas a verdade é que as construções góticas em Itália contam-se pelos dedos das mãos: do Gótico “puro” (o Gótico dos contrafortes, dos arcobotantes, das ogivas, dos vitrais, do eixo vertical), encontra-se em Milão, na catedral. Temos depois outros tipos de Gótico, assim como no Alentejo, em Coimbra, em Aveiro, no Porto e em Braga tínhamos outro tipo de Barroco. A catedral de Florença assenta numa planta apelidada de gótica (para mim é um Gótico tardio e só o é pelo número de naves pois acho que a arquitectura italiana passa quase do Românico para o Renascentista. Repare bem, é tão tectónica!). Há outro exemplo como o Castel del Monte na Apúlia, com planta octogonal e uma espécie de 16 torres de menagem oitavadas, uma por cada vértice exterior. Mas em Portugal também tínhamos fortalezas em pleno período Barroco, como o Forte de Sta. Luzia em Elvas (bem sei que não tenho grande repertório). Quanto a Assis, dou a mão à palmatória.

E sim, o post era sobre Maria e a Sulamita, mas estas questões também devem ser esclarecidas. Aviso-o no entanto que a minha formação não é esta, não percebo nada, mas mesmo nada, de arquitectura e que este longo comentário serve mais para me redimir perante o “especialista” (valha-nos Deus, eu a tentar “ensinar o Pai Nosso ao vigário”) e os dois ou três leitores do blog, do que para provocá-lo.

2 Comments:

Blogger AM said...

cara beluga

um prazer... e uma honra

como sempre, muito a aprender com a beluga... nada de contos (postas) do vigário, por aqui

como arquitecto procuro olhar para as obras do passado mais ou menos longínquo com os olhos ("puros") da descoberta (formal) permanente, e não perder tempo a procurar o "enquadramento", a "arrumação" das obras na gaveta (na "prateleira"?...) de um qualquer estilo "histórico", por outros "decomposto"... às postas

por esse motivo não me interessa muito analisar o nosso barroco ou gótico (ou outro "estilo" qualquer) à luz das "variações" (em dó... menor) das obras-primas dos "centros" (no plural...) europeus

não chega sequer a ser um "defeito profissional", já que - estou convencido - a maior parte dos arquitectos não se dá ao trabalho de olhar para as obras... e pensar

o gótico "puro" pode muito bem ser como diz (não vou repetir) aquilo que diz, mas as "im-purezas" desta vida, também tem direito... à vida...

As obras "puras", as obras mais representativas daquilo que um caramelo qualquer numa tarde de tédio (ou num dia im-perfeito...) revolveu "definir" (que aborrecido...) como um "estilo" - agora sim, repito - pouco me interessa

gosto da surpresa... não sinto nada... na "naves góticas" de Alcobaça (mas gosto da chaminé forrada a azulejo...)

esta coisa da pureza ou im-pureza... impõe uma distância, uma "barreira de segurança" "entre nós e as palavras" (Cesariny)... e as imagens... e os sons...

prefiro a im-pureza das capelas im-perfeitas e o gótico "horizontal" e "achatado" de Aljubarrota

não posso (por agora) confirmar, mas estou em crer que pode obter os dados relativos à pequena igreja de Elvas, no "A arquitecta chã, etc." (não é o título original...), do George kubler

sem re-missão

antónio

30/7/07 11:06 da manhã  
Blogger Belogue said...

Caro AM:
Não posso deixar de lado as balizas cronológicas principalmente em alturas em que os estilos duravam séculos. Impossível contorná-los, mas confesso que em tanta proporção, regularidade, razão, Humanismo, o que gostei mesmo foi a excepção: a Catedral de Siena, a de Milão e a de S. Paulo em Veneza.
As impurezas de que fala não só têm direito à vida como dão sabor à vida. Não digo que confirmam a regra, mas têm lugar e concordo consigo quanto às impurezas. Lembro-me sempre dos Il Divo. Tão certinhos, tão bonitinhos, tão arranjadinhos, parecem ter sido pintados à mão, com promessas de amor eterno, amor frente à lareira, pétalas de rosas, champanhe... Tudo em demasia, tudo tão standartizado.

Preciso de um post-it para me lembrar de respirar, nas cidades ando sempre de nariz no ar à procura da assimetria, mas era necessário no post chamar as coisas pelos nomes. Quanto à referência bibliográfica, obrigada, mas também está nos meus "apontamentos".

31/7/07 11:58 da tarde  

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