segunda-feira, setembro 18, 2006

- mãe, a maçã tem bicho -
Um país assombrado

Num destes dias, enquanto esperava pelo comboio ouvi um jovem, curioso visualmente, que enquanto segurava em vão a sua bolsinha Gucci debaixo do sovaco encetava ao telemóvel uma conversa em que dizia: “Vim agora de Paris e estou aqui neste país assombrado. Um horror, você nem imagina!” Se nos detivéssemos apenas no exagero expressivo com que ele pronunciou a palavra “assombrado” que arrastava o “om” e fechava o “o”, a coisa seria alvo de chacota. Não que França não seja um país assombrado, mas neste, os mortos já fazem parte do quotidiano. É portanto um país assombrado que convive bem na trampa em que está metido. E não são os políticos, este não é um post de dona de casa ou condutor de táxi. Se “são todos iguais” a responsabilidade e culpa é nossa que neles votamos com tédio de uma obrigação digna de força hercúlea para execução.
É um país assombrado aquele que tenta ressuscitar sem enterrar os seus mortos. É um país assombrado e uma leitora cada vez mais desiludida aquela que abriu este fim-de-semana os dois jornais que encheram as conversas dos bem pensantes, alguns deles já mortos.
Eu estou pelos cabelos com as afirmações polémicas, grosseiras e até vulgares de Maria Filomena Mónica sobre o corpo de Sócrates, ela que devia fazer brainwatching em vez de birdwatching. Mas como se trata de um neologismo, a senhora enganada ainda podia ficar overwhelming com aquilo que ía encontrar. Eu estou pelos cabelos com a Guta aqui e a Guta acolá, com o designzinho que a Guta vende nas suas entrevistas de frases repetidas até à exaustão sobre o nada que deve ser a sua ideia de design, devidamente acompanhadas de poses sensaboronas que ela viu na Neo e na I-D e que imita sem sucesso. Porque o design é isso Guta, é uma coisa para meia dúzia de iluminados, é inspiração e não transpiração. Nem me causa mossa que a Guta Moura Guedes trabalhe agora na Casa da Música; era de esperar. O que me custa é saber que todos os dias, quando toma a sua bica, a Guta o faça naquelas chávenas que reservei, durante a minha transpiração (porque não me davam tempo para ter inspiração), para pessoas com bom gosto. Saberá a Guta que quem as desenhou nunca recebeu um tostão por isso? Sabe a Guta que a linha foi aumentada sem ser consultada a pessoa que esteve na criação do conceito (num momento de inspiração, no banho) e que a extensão da mesma linha já está fora do conceito base? A Guta não sabe, assim como não sabe que os seus colaboradores tentam a sua sorte angariando ideias novas para apresentarem em reuniões e brainstormings através de mail?
Estou pelos cabelos com as crónicas da Margarida Rebelo Pinto que me fazem desacreditar que alguém esteja de facto a contribuir para que este país não seja um país assombrado ou para que pelo menos os mortos sejam enterrados. No JN, não me espantava, mas no Sol, isso sim, é de uma grande falta de chá. A piscar o olho à cronista da série “O sexo e a cidade” ??? E sobre a escrita dessa senhora recuso-me a escrever porque quando leio duas linhas das suas crónicas aperta-se-me logo o peito pelos escrúpulos que tenho em mostrar a seja quem for aquilo que escrevo.
Eu estou pelo cabelo com estes fantasmas, gente que come pelas mesmas gamelas uns dos outros e obrigam quem quer lutar a tirar a senha para a refeição racionalizada no centro de emprego, como se não tivéssemos direito a repetir a dose porque temos de dar espaço a outras pessoas que ainda não comeram. E o que é que eu tenho com isso? E o Estado a justificar os dinheiros mascarando a falta de emprego desta gente com acções de formação contínuas e descabidas, sem o mínimo de sensibilidade pela vontade de cada um, a vomitar as suas regras viciadas, a perverter ele próprio o princípio da empregabilidade. O trabalho deveria ser um direito e não um jogo de “à vez, à vez”. É por causa disso que eu tenho de me contentar com entrevistas de emprego por telemóvel ou mesmo face a face com alguém que com um curso profissional no Politécnico da Guarda se intitula doutor e me reduz à condição de esfomeada que mendiga por qualquer coisa?
Eu estou pelos cabelos com as gravatas puxadas até cima que fazem destes senhores doutores uns pintos com cio, das suas perguntas descabidas:
- É casada, namora, pretende ter filhos?
Eu estou pelos cabelos com este país assombrado que dá uma no cravo e outra na ferradura. Eu estou pelos cabelos pelo facto de ser um ser humano e não ter tratamento adequado à minha condição de ser vivo e racional. Eu estou pelos cabelos, e estou tanto pelos cabelos (os meus que considero muito bonitos), que não cito o Cântico Negro de José Régio. Não, vou logo para José Mário Branco e o FMI: “Eu quero é ser feliz.”

3 Comments:

Anonymous Anónimo said...

wellcome to the club.

18/9/06 5:12 da tarde  
Blogger AM said...

beluga
como é que uma pessoa comenta uma coisa destas...
felicidades

18/9/06 7:53 da tarde  
Blogger [A] said...

pois...eu também não sei como comentar.cada palavra é tão genuína, cada pensamento tão verdadeiro....
eu estou a chegar àquele ponto em que já nem consigo enraivecer-me...só sinto uma enorme tristeza.

21/9/06 10:38 da manhã  

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