quinta-feira, novembro 03, 2005

O CARTEIRO

Cães, Deus e o Demónio, ou "Como todos os Homens têm um preço"


Rembrandt
Fausto
1652-53
Rijksmuseum, Amesterdão


Antes de nascer, S. Domingos já tinha o seu destino traçado. Sua mãe, quando grávida havia sonhado com um cão segurando na boca uma tocha. S. Domingos foi para dominicano, para religioso, porque a palavra dominicanos vem de Domminicanes; Cães do Senhor (Savonarola era dominicano, mas adiante). A tocha na boca significava a luz divina que iluminava e se o cão a transportava na boca, era porque era possível confiar nele. Hoje, o cão junto a S. Domingos funciona como elemento iconográfico. Não se sabe se o cão era preto, branco, um caniche ou um galgo afegão.

Quando Ulisses chega a casa da sua Odisseia e vê o recesso de seu lar ocupado por estranhos que para além de comerem a sua comida e beberem a sua bebida, abusam das suas escravas e pretendem que Penélope termine o tapete o mais rápido possível, o primeiro a reconhecer o herói é o seu cão.

Da mesma forma, quando o Romeiro do romance de Almeida Garrett "Frei Luís de Sousa" ("Quem és tu? Ninguém.") chega a sua casa após um interregno, ninguém o reconhece, a não ser... o cão.

Em todos estes exemplos o cão é apresentado como símbolo de fidelidade e no caso de S. Domingos, há uma relação próxima entre o animal, aquilo que ele representa e Deus (salvo seja!). Porém, aquele que nos lambe as mãos, também pode usar as patas para nos desenterrar. Exemplos: Dr. Fausto.

Não estamos a falar da "Danação de Fausto" de Goethe, ou das inúmeras adaptações musicais e literárias da verdadeira lenda de Fausto, mas sim de Henrich Cornelius Agripa (1485-1540), astrólogo, adivinho, advogado, jurista, filósofo e cabalista que nasceu perto de Colónia. Em 1509 Henrich chegou à cidade de Dole onde Margarida da Áustria era soberana. (À semelhança do que aconteceu entre Nostradamus e Catarina de Médicis. Note-se que no Fausto de Goethe a amada de Fausto tem o nome de... Margarida). Conta-se que Henrich estava sempre acompanhado de um grande cão negro onde tinha aprisionado o demónio. O cão chamava-se Monsieur. "Senhor" de Deus, ou "Senhor" de Diabo? Se tivesse aprisonado o Mal, o Bem andava à solta. Se tivesse aprisionado o Bem, era mais um S. Domingos. Foi esta história que inspirou as outras adaptações. Agora, como é que se passou de "Henrich Cornelius" para "Fausto", isso não sei. Mais tarde na versão de Goethe o Diabo revelou-se a Fausto sob a forma de um cão negro que o acompanhou até ao seu gabinete.

"Só sei o preço de um Homem" dizia uma das personagens da peça "Sobre horacios e curiacios" (de que já falamos neste blog). O de Goethe foi a sabedoria, a magia, o conhecimento total, o de Thomas Mann foi o dodecafonismo, o de José, um prato de lentilhas.

Todos os homens têm um preço.

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

belissimo texto. obrigada

3/11/05 9:08 da tarde  
Blogger Ana Biscaia said...

que bela E BOA surpresa...

4/11/05 12:33 da tarde  

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