- não vai mais vinho para essa mesa -
- o que a traz aqui?
- eu... eu... ora bem... o que me traz aqui...
- ...
-... bem... é nada. eu não quero nada, não sinto vontade de nada. tudo é um trabalho, uma tarefa. levanto-me de manhã e penso quando vou voltar a deitar-me não por preguiça ou sono, mas por desejo de estar inconsciente, de não ter de "estar", de "ser". E depois chego à cama e não durmo: o meu coração bate descompassado, a cabeça parece a válvula de uma panela de pressão... penso, logo pela manhã, que não vou ser capaz de trabalhar, de estar com pessoas, de chegar ao fim do dia. as coisas que me davam prazer já não dão. Esquivo-me dos encontros com amigos embora faça muito bem o meu papel social. mas sinto-me cansada quando o faço. aliás, sinto-me sempre cansada fisica e psicologicamente. sinto-me cansada porque tenho dias vazios em que - desculpe a expressão - enfim... "bato punhetas a grilos". Ou seja, ocupo-me com os cinco milímetros do cartão que protege um envelope que por sua vez já está protegido por plástico bolha e cujo remetente tem de ser impresso em Verdana 11, espaçamento 1,5...... dói-me o corpo. não tenho tempo para nada. sangro do nariz quase todos os dias. a minha vontade anda sempre abaixo dos, digamos, 30%?... Estou, todos os dias e todo o dia, triste. Mas finjo que está tudo bem. E isso deixa-me de rastos. Como se tivesse levado uma tareia. não é que alguma vez tenha levado uma, é só o que se costuma dizer... penso que vou colapsar a qualquer instante. colapsar mesmo: imagino que vou a caminhar e cai-me uma perna e um braço e fico estendida no chão agarrada ao peito. com a outra mão, claro.
- ...
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-... bem... é nada. eu não quero nada, não sinto vontade de nada. tudo é um trabalho, uma tarefa. levanto-me de manhã e penso quando vou voltar a deitar-me não por preguiça ou sono, mas por desejo de estar inconsciente, de não ter de "estar", de "ser". E depois chego à cama e não durmo: o meu coração bate descompassado, a cabeça parece a válvula de uma panela de pressão... penso, logo pela manhã, que não vou ser capaz de trabalhar, de estar com pessoas, de chegar ao fim do dia. as coisas que me davam prazer já não dão. Esquivo-me dos encontros com amigos embora faça muito bem o meu papel social. mas sinto-me cansada quando o faço. aliás, sinto-me sempre cansada fisica e psicologicamente. sinto-me cansada porque tenho dias vazios em que - desculpe a expressão - enfim... "bato punhetas a grilos". Ou seja, ocupo-me com os cinco milímetros do cartão que protege um envelope que por sua vez já está protegido por plástico bolha e cujo remetente tem de ser impresso em Verdana 11, espaçamento 1,5...... dói-me o corpo. não tenho tempo para nada. sangro do nariz quase todos os dias. a minha vontade anda sempre abaixo dos, digamos, 30%?... Estou, todos os dias e todo o dia, triste. Mas finjo que está tudo bem. E isso deixa-me de rastos. Como se tivesse levado uma tareia. não é que alguma vez tenha levado uma, é só o que se costuma dizer... penso que vou colapsar a qualquer instante. colapsar mesmo: imagino que vou a caminhar e cai-me uma perna e um braço e fico estendida no chão agarrada ao peito. com a outra mão, claro.
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3 Comments:
isto é humor negro do pior (ou melhor, aliás). Tem adjacente uma qualidade literária e uma auto-ironia que é muito difícil encontrar. É quase Samuel Beckett.
Acho que se estivesse escrito em francês passava por Beckett. Um escrito inédito, etc....
nóssa!... qui absurdo o qui ocê falô...
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