segunda-feira, janeiro 09, 2017

- o  carteiro -

um dos meus maiores problemas é não conseguir dizer "não". Faço grandes fretes e apanho secas monumentais só porque tenho receio de magoar as outras pessoas, dizendo-lhes que não: não faço, não vou, não quero... enfim. às vezes quando o dia acaba sinto-me tão cansada... como se tivesse corrido a Badwater. claro que é preciso ter uma grande paciência, calma, disponibilidade. Ser, como se costuma dizer, "uma santa". è também costume dizer-se "para seres santo só te falta a auréola". Ora eu, que não sou santa, devo dizer que para se ser santo não é necessário ter a auréola, mas antes o nimbo. fixem isto:
- a auréola, ou mandorla, é a linha que envolve as personagens divinas ou humanas.
- o nimbo é o halo - que pode assumir várias formas - e que destaca a cabeça das personagens divinas ou humanas.

a auréola está para o corpo como o nimbo para a cabeça:



















Giotto
Last Judgment (pormenor)
1306
Cappella Scrovegni (Arena Chapel), Pádua



Embora se trate de coisas diferentes, a auréola e o nimbo contribuem para a deificação, a glorificação e apoteose de quem o usa. Quando juntos, colocam a personagem em glória.

O termo grego para nimbo está na origem de outras palavras como "chover", "nevar", "molhar"... mas também da palavra "nuvem". Segundo Virgílio a nuvem era a "carruagem dos deuses". Se funcionava para o mundo pagão, acredito que funcionasse para o mundo cristão. Isidoro de Sevilha definia o nimbo como uma travessa de ouro, cosida no véu e usada pelas mulheres na testa ("Nimbus est fascíola transversa ex auro, assuta linteo, quod est in fronte foeminarum"). É provável que o bispo de Sevilha tivesse sido confundido por Plauto que na sua peça Poenulus colocou um dos servos a referir-se a uma dama por quem o seu mestre estava apaixonado, desta forma:

"Quam magis aspecto, tam magis est nimbata" / Quanto mais olho para ela, mais radiante (nimbé) ela me parece.

Assim à primeira, parece que "o cu não tem nada a ver com as calças". Mas esta descrição, observação do servo, tem alguma semelhança com outras descrições de senhoras por parte dos poetas clássicos. Petrónio usa o termo "frons mínima" para falar de uma dama romana no Satiricon, Horácio fala de Lycoris e da sua testa baixa ("insignis fronte tenui") e Arnobius, no seu Tratado da Natureza da Alma, refere uma mulher que quiser agradar deve tornar a sua fronte mais baixa, através do uso de uma fita na testa. Tudo junto pode ter confundido Isidoro de Sevilha.

O nimbo pode assumir diversas formas. Pode ser circular (o mais comum) - neste caso o nimbo tem várias filas de "pedras preciosas" e o nome "Karolvs Magnvs Rex" escrito em volta -














Carlos Magno
Catedral de Notre Dame, Estrasburgo

transparente:



















Raffaello Sanzio
Disputation of the Holy Sacrament (La Disputa)
1510-11
Stanza della Segnatura, Palazzi Pontifici, Vaticano


opaco (um caso muito negro...)



















Giotto di Bondone
No. 29 Scenes from the Life of Christ: 13. Last Supper (pormenor)
1304-06
Cappella Scrovegni (Arena Chapel), Pádua


 triangular

















Girolamo dai Libri
God the Father with His Right Hand Raised and Blessing
1555

quadrado


















Papa Pascoal I
820
Santa Prassede, Roma

poligonal

















Bernardo Daddi
Crucifixion (pormenor)
1345-48
Lindenau-Museum, Altenburg


















Simone Camaldolese
The Divine Comedy by Dante Alighieri (Folio 11)
1386-88
Rare Book and Manuscript Library, Yale University, New Haven


em forma de raios
















Master of Flémalle
Virgin and Child in an Interior
c. 1435
National Gallery, Londres


em forma cruz (penso que neste caso só mesmo o Filho de Deus usa este tipo de nimbo):



















Christ Pantocrator
950-1000
The Fitzwilliam Museum, Cambridge


Há, claro, outras formas, não aplicadas somente a personagens do Cristianismo, mas a figuras do Politeísmo como o Deus Sol. Têm, como se compreende, um nimbo em forma de raio, muito semelhante ao que acontecia em alguma numismática clássica.




















Helios
Templo de Atena em Tróia
300 a.C.
Museu de Pérgamo



Esta forma (raiada) foi também a escolhida para representar alguns símbolos gnósticos com esta. Trata-se de uma figura entre o Mundo material e o imaterial(ladeada pelo Sol e pela Lua), que é tanto terrestre devido à cabeça de Leão, como aquática devido à cauda de serpente e divina graças ao nimbo com 14 raios.




















Gravura
Bernard de Montfaucon
L'antiquité expliquée et représentée en figures


Como foi dito acima, nimbo e auréola não eram apanágio das figuras divinas, podendo também ser usados pelos humanos notáveis. No geral, e na iconografia pagã, o nimbo é um atributo da divindade, mas foi também usado na representação de imperadores e reis, feiticeiras e profetisas (sim, no feminino), figuras das constelações e do bem e do mal (como acontece no Budismo e no Hinduísmo). O nimbo usado por um santo ou por um mortal a quem tenha sido dada essa honra - certamente devido a algum feito - é simples, sem qualquer ornamento. Se estamos a falar de um nimbo na cabeça de Deus ou do seu filho, o caso já muda de figura (como vimos acima, esse nimbo poderia ser uma cruz). O mais curioso é que antes mesmo da altura em que o nimbo foi adoptado já havia esta ideia de coroar o filho de Cristo. Se não directamente, de forma indirecta. Veja-se o caso de um sarcófago existente no Vaticano, referente aos primeiros tempos do Cristianismo, em que Jesus imberbe surge acompanhado de seis ovelhas e seis apóstolos (as ovelhas eram também apóstolos). Um pouco mais elevado que as restantes personagens, Jesus surge com uma ovelha a seu lado: nenhum animal ou humano possui nimbo, nem o próprio Cristo. Mas a ovelha que o acompanha possui sobre a cabeça uma cruz que é, para estes primeiros tempos, o antecedente do nimbo. No caso do filho de Deus, o nimbo com a cruz inserida, pode conter as letras gregas ο (Omicron), ω (Ómega) e ν (Nu), como é o caso da figura abaixo. Nela o ómicron está à esquerda, o ómega em cima e o nu à direita. Estas três letras formam parte da expressão "Eu sou aquele que sou" que Deus usou para se manifestar a Moisés na passagem relativa à sarça ardente (Êxodo 3, 14).

















Frangos Katelanos
Dormição da Virgem (pormenor)
1548
Varlaam monastery, Meteora, Grécia

Para a próxima há mais. Hoje já chega.