- ars longa, vita brevis -
hipócrates
(riscas - cont.)
Vocês bem sabem que "quem pode, pode". Ou seja, quem tem dinheiro e poder pode ditar modas que nada lhe é aponte. Por isso, quando a risca passou dos aios para os amos, o pessoal estranhou, mas entranhou. Diz-se que isto era algo que já estava em ebulição desde finais da Idade Média, que se acentuou após a Grande Peste e culminou com um vestir exagerado, excêntrico, por parte dos mais jovens que tinham sobrevivido a muitas provações. Não sei se a Missa de Bolsena do Rafael retrata estes jovens. Ora vejam lá:
Rafael
The Mass at Bolsena (pormenor)
1512
Palácio do Vaticano, Vaticano
Passou-se daí para o excesso que se traduzia no uso de riscas principalmente nas mangas e nos calções das vestes de mulheres e homens. Mas a moda durou pouco, até porque a Corte de Borgonha impunha códigos de vestuário muito restritos. Voltou por volta de 1500 e impôs-se na Alemanha, França, Itália e Inglaterra. Deixo aqui alguns exemplos. Penso porém que não devemos confundir as riscas a sério, com os efeitos no vestuário através de cortes que simulam riscas, daí não deixar aqui alguns exemplos que me parecem exagerados.
Jean Clouet
Retrato de Francisco I,
c. 1525
96 x 74 cm
Museu do Louvre, Paris
Barthel Bruyn, o Velho
Ana de Cléves
c. 1540
Beatrice D' Este
1496-1497
Palácio Sforzesco, Milão
Com a Reforma Protestante, esta febre das riscas voltou a sossegar e só regressou na segunda metade do século XVII em Espanha, curiosamente (herdeira da corte de Borgonha) principalmente em pequenos apontamentos nos calções e mangas dos membros masculinos da classe aristocrática. A moda volta a desaparecer para ser recuperada após 1775 após a Revolução Americana e com laivos românticos vindos do Novo Mundo. Usar riscas passou a ser sinónimo de "ser progressista", avançado, moderno. Apresento aqui mais exemplos de senhoras do que de senhores, mas lembro que nesta época a risca foi de tal modo querida que os homens também as usavam em coletes, calças e as casas eram decoradas com a vivacidade desta solução. É curioso, em todos estes exemplos, que se tratam dos retratos de pessoas da aristocracia, do Antigo Regime, que a Revolução Francesa derrubou. Não obstante a risca ter algo de revolucionário, muitos são os aristocratas - que abominando a novidade e a mudança das revoluções - a adoptam como símbolo do seu espírito. Não encontrei exemplos da risca na decoração, principalmente no estilo directório, mas encontrei-as mais tarde, no século XIX. Com a campanha de Napoleão no Egipto, os gosto oriental pelas riscas foi transportado até ao Ocidente onde se brincava de exotismo com a colocação, em casa, de toldos listrados. Fartei-me de procurar isso nos trabalhos do Delacroix. Tenho a certeza que há qualquer coisa assim.
Rose Adelaide Ducreux
Self-portrait
1790
Metropolitan Museum of Art
Marie Gabrielle Capet
Portrait of Mademoiselle JL Germain
François Hubert Drouais
Portrait of a lady (Yvonette Moulin de la Racinière?)
1772
Escola Inglesa do Século XVIII
Richard Gwynne of Taliaris and Tregib
National Museum of Wales, País de Gales
A risca do Romantismo existe, mas não a encontrei, nem no vestuário, nem na decoração. É somente no Impressionismo, no final do século XIX que consegui obter imagens de riscas talvez porque os impressionistas pintassem muito o quotidiano e é nos objectos do quotidiano que podemos encontrar a risca. Neste âmbito os quadros da Mary Cassatt foram muito importantes, uma vez que apesar de impressionista, a artista não se limitava a cenas de exterior, pintando muitos interiores onde a risca podia ser vista em sofás ou papel de parede.
Mary Cassatt
The Tea
c. 1880
Museum of Fine Arts, Boston
Mary Cassatt
Woman on a Striped Sofa with Dog
1876
Harvard Art Museum
Mary Cassatt
The Child's Bath (The Bath)
1893
Art Institute of Chicago
Cezanne
Hortense Fiquet in a Striped Skirt
1877-78
Museum of Fine Arts, Boston
Cézanne
Woman in a Red-Striped Dress
1892-96
The Barnes Foundation, Merion, Pensilvânia
Mas assim como as riscas chegam aos estofos, cortinados e papel de parede, também chegaram à roupa interior. Durante muito tempo isto era impensável: a roupa que tocava no corpo não podia ser conspurcada pela risca que era acima de tudo para os menos puros: as prostitutas, réprobos, saltimbancos... Além disso, como sabemos, a cor é aplicada através do tingimento e o tingimento é a aplicação de substâncias de origem animal. Por outro lado, e até meados do século XIX, a cor não era usada na roupa interior devido "à moral protestante, à ética capitalista, e aos valores burgueses". É talvez com a escassez de produtos básicos verificada com a Primeira Guerra Mundial que o uso da risca na roupa interior se normalizou.
Meias de criança
Século XIX
Camisa interior feminina
Século XVIII
Deixo também aqui três situações em que a risca é utilizada no vestuário já em tempos mais próximos de nós:
Banhista
Anos 20
Prisioneiros Americanos
1902
Marinheiro Francês
Vou embora.
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