segunda-feira, setembro 20, 2010

- ars longa, vita brevis -
hipócrates

antes e depois ou como vocês bem sabem que isto não é bem o meu estilo, que estes "antes e depois" obedecem a uma regra: devem ser de artista "conhecido" para artista "conhecido". Mas o que faz um artista "conhecido". Este senhor que vos apresento não me parece ser artista, a menos que queiramos fazer dele tal coisa. E como um artista "conhecido" depende do número de pessoas que o conhecem, deixo aqui este antes e depois que vai de Bosch a um senhor que encontrei no The Guardian e que deixou, sem mais rasto, os seus trabalhos no Flickr.
Como sabemos (e já falamos aqui) Bosch pintou o tríptico das Tentações de Santo António, tríptico esse que se encontra em Lisboa no MNA. É muito provável que antes de ter sido comprada por Damião de Góis a pintura tenha estado no Escorial. Este tríptico retrata uma das cenas favoritas de Bosch: cenas da vida de santos, principalmente aqueles que segundo a hagiografia penaram bastante tanto quanto às tentações da carne como aos vícios do espírito. Santo António tem algo de especial: após a morte dos pais, o santo distribuiu a parte que lhe calhava por herança por entre os pobres e retirou-se para o deserto, onde viveu como um eremita, um monástico sem contacto com ninguém. Durante uma epidemia de eripsela (que causa um ardor que parece que o doente está a ser consumido pelas chamas), o santo foi evocado várias vezes e por isso é hoje conotado com o santo do fogo. Mas é provável (isto sou eu a pensar) que Santo António também tenha padecido de eripsela - ou até de carência de alimentos - e que durante esses períodos de febre tenha sofrido algumas alucinações, razão para o tríptico de Bosch ser tão pródigo em cenas surreais. Ali vemos homens deformados, paisagens destruídas, passarolas voadoras, pássaros com cauda de barco, ratos gigantes e entre tudo isto peixes-barco, devidamente protegidos contra o frio. Essa é a imagem que vos apresento aqui em baixo.

E se este artista inspirou muitos que se lhe seguiram - como Dali ou Hirst - não é menos verdade que inspirou desconhecidos. Este senhor aqui vestiu vários peixes, como sardinhas e anchovas, e colocou-os em cenários distintos: ora prontos para um baile, ora como meretrizes, punks ou a interagir com o Ken da Barbie. Se é legítimo? É. O Hirst também os conservou em formol e ninguém disse nada. Claro que este tipo de abordagem está limitado ao seu suporte: como o material degenera, mais fácil será apresentar o trabalho em fotografia. Existe também a possibilidade de se tratar de montagens, o que no meu entendimento teria muito menos piada. Ao contrário do escrito no "The Guardian", não vejo com nojo este trabalho. Há alguma coisa de hard core e também surreal (na montagem dos peixes com braços de Ken), mas não o sinto com desconforto. Vejo-o antes como uma galeria de aberrações mordazes.

Hieronymus Bosch
Triptych of Temptation of St Anthony
1505-06
Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa


many
Tangosild