segunda-feira, fevereiro 11, 2008

- o carteiro -
Os posts do Belogue são quase todos dedicados à pintura e, admito, pintura que compreende movimentos até ao pós-modernismo. Pouca ou nenhuma escultura e raramente arquitectura. Por vezes o Belogue parece um livrinho de santos com a honrosa excepção da ausência de uma lengalenga em forma de prece, a acompanhar quadros com anjinhos que não preenchem o gosto de quem escreve. (Aqui gosta-se de Caravaggio, de Minimalismo e de alfinetes de peito do início do século XIX (Mucha, Tiffany’s, Cartier…). Não postamos sapatos nem vídeos e isso é quase um lema.)

Mas a postagem é idiossincrática de um gosto pelo pormenor e por aquilo que não é evidente. Foi por isso que ao ler um artigo no The Independent sobre São Sebastião, lembrei-me de um tratamento semelhante aplicado a David e às sua representações: ambas as personagens sofreram uma modificação na forma como foram tratadas por diferentes artistas ao longo dos tempos. David era umas vezes adulto, outras imberbe; São Sebastião era por vezes um mártir e outras um símbolo homo-erótico. O martírio de São Sebastião não tem nada de extraordinário: era um oficial que ascendeu a capitão da guarda do imperador Diocleciano (de resto, como São Jorge), era cristão (como São Jorge), mas ousou espalhar a palavra de Deus ao contrário de S. Jorge que travou batalhas verbais sobre Cristo com os fiéis de Diocleciano: “Eu sou pela VERDADE”, “E o que é a VERDADE?”, “A VERDADE é Cristo”. (foi mais ou menos assim). Diocleciano mandou os seus seguidores supliciá-lo com flechas, mas apesar da ofensiva, Sebastião não morreu e foi encontrado por uma viúva que se chamava Irene, Dele tratou e o jovem voltou a denunciar o imperador. Só que desta vez Diocleciano ordenou a morte por espancamento no Circo de Roma. O seu corpo foi recolhido por Luciana e enterrado.

O que torna São Sebastião diferente é o facto de ter morrido jovem, de ser bonito, cabelo encaracolado, solteiro, retratado com o corpo nu e ferido por flechas que eram consideradas, para os gregos, símbolo de doença. Apesar de Diocleciano ser um prosélito de práticas sexuais estranhas, não foi por isso que São Sebastião se tornou um ícone gay. O seu corpo torturado, uma imagem quase sadomasoquista e para apetites pedófilos, jovem e nu foi, primeiro, totalmente despido até se tornar um símbolo quase pagão. Isto também se deve à relação com Apolo e com as setas de Apolo. Esta era uma das das poucas oportunidades dos artistas para retratarem um corpo sacro e nu.

Na Igreja de São Sebastião Fuori le Mura o santo padroeiro dos militares surge ao lado de outros santos, todos com expressões faciais idênticas. Na Igreja de São Pedro in Vincoli aparece com uma barba, mas sem qualquer sinal das flechas. Andrea Mantegna pintou três versões do santo e Guido Reni vivia obcecado com a imagem do santo torturado. Numa exposição que abrirá ao público no próximo mês na Dulwich Picture Gallery, estarão patentes seis versões de Guido Reni, do santo. Reni empalidecia frente a modelos femininos, viveu com a mãe até aos 55 anos e não se relacionava com mulheres, mas também nunca se soube da afirmação e definição das suas preferências sexuais. No entanto, as versões de Reni são puras, sem qualquer erotismo, como se estivesse a pintar a Virgem.

Andrea Mantegna
St Sebastian
1457-58
Kunsthistorisches Museum, Viena


Guido Reni
São Sebastião
Século XVII
Museo Palazzo Rosso de Génova


Mais tarde as pinturas relativas a São Sebastião começavam a debruçar-se sobre outras passagens da sua vida. Vemos isso em De La Tour, por exemplo. A imagem estendeu-se até aos nossos dias: Thomas Mann falava do seu efebo como um São Sebastião, Pierre e Gilles fotografaram homens bonitos, um pouco efeminados e com o corpo ainda em definição como mártires e a revista Refresh mostrou num dos últimos números um São Sebastião moderno que não se contorce. Mostra antes uma certa satisfação que traduz esse sado masoquismo que cobre a história de São Sebastião.

Georges de La Tour
St. Sebastian Tended by St. Irene
1634-1643
Gemäldegalerie, Berlim



Pierre et Gilles
St. Sebastian

1 Comments:

Blogger João Barbosa said...

Nunca me tinha ocorrido que as imagens de São Sebastião fossem homo-eróticas, mas, já que fala nisso, concordo... principalmente depois das duas fotografias que encerram o post.

11/2/08 12:39 da tarde  

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