quarta-feira, dezembro 19, 2007

- o carteiro -


Van Gogh
Fifteen Sunflowers in a Vase
1888
National Gallery, Londres
Garibaldi Júnior é Senador e o estado congratula-se. Das calçadas do turista que de pé descalço ou não sempre o leva mais calçado que o autóctone, das ruas desalinhadas, da televisão entre os programas de segunda a sexta da Márcia (Judite de Sousa meets Fátima Campos Ferreira meets Fátima Lopes que meets um cinto largo monocromático, diferente cada programa), dos pagodinhos ao forró organizado, todo o estado pobre se congratulava com esta notícia que fazia as frentes dos diários, abria noticiários, e levava o povo todo a comentar: "oposição ao presidente já começou". Se tinha começado, não se sentia.
O calor trazia a bonomia dos dias e a expectativa das noites presos pelo pé à moleza dos corpos e ao toldamento dos espíritos. Um dialecto próprio impronunciável, indecifrável e a existência diária construída entre os grandes centros comerciais onde tudo é pago a prestações e a mais pura pobreza, a pobreza que só dava para o imediato fazia com que tudo fosse lento. Se Garibaldi Júnior foi eleito seria graças a grande esforço dele, porque o povo não podia pagar o colectivo de deslocar-se para votar. Aliás, o povo não sabia que Garibaldi Júnior iria ser eleito. O povo só soube quando viu uma faixa triunfante escrita a vermelho e à mão que o estado se congratulava com aquela vitória. Mas como o povo não tinha para um mandioquinha, para um fubázinho, para uma tapioquinha para comer com o peixe galo respigado das redes tiradas para os turistas, tudo encenado num parque temático com entrada paga e banheiro com tiras de papel higiénico racionadas, com lagartos a espreitar atrás de cada coqueiro, para se divertir em outro lugar que não no centro comercial onde dançava para esquecer, como o povo não tinha para si, o povo, por mais que quisesse, não tinha para Garibaldi.
É que o turista dava gorjeta gorda, não olhava o fundo do porta-moedas para mostrar a sua satisfação para com a subserviência canina de quem lhe mostrava as maravilhas anunciadas pelas agências (eles eram agentes dos agentes, dos agentes, dos agentes turísticos, recebendo a ínfima parte de uma cadeia hierarquizada como um bolo de noiva “brega”), e Garibaldi não sabia sambar.